sexta-feira, 6 de abril de 2012

KRISHNA (Cerca de 5.000 a.C.)


A Evolução Espiritual da Humanidade
(O Influxo Divino e A Pluralidade das Existências)
(A origem da Raça Ariana)

KRISHNA
(Cerca de 4.000 a.C.)



Agora verão a belíssima história de Krishna,
que remonta a “noite dos tempos”.
Onde também, nasce de uma virgem, e morre voluntariamente.
Além de que são eternos, os ensinamentos
ainda nos servem nos dias de hoje.


DEVAQUI, a MÃE (Do Nascimento de Krishna)


Devaqui – Irmã do rei. Virgem de coração singelo e puro. Vem a ser a mãe de Krishna.


Krishna era filho de uma virgem (Tal como Nossa Senhora – Mãe Maria)


Do Nascimento: Durante um ritual e após um sacerdote declarar a Cansa (Rei de Madura) que nenhum de seus filhos seria o Senhor do Mundo e que este nasceria das entranhas de sua irmã Devaqui, grande foi a consternação de Cansa e a cólera da negra Nixcumba (uma de suas esposas), ao ouvirem tais palavras. Daí a rainha Nixcumba, quando se encontra a sós com o rei o diz que é preciso que Devaqui morra. O rei temia os devas que protegiam Devaqui e titubeou, mas Nixcumba o chamou de covarde e medroso e o ameaçou voltar para o pai (Calanemi). Foi então que Cansa ameaçado de a perder, e fascinado por uma volúpia terrível, sente-se tomado de medo, e mordido por um novo desejo implacável, e diz: “Pois seja! Exclama: Devaqui morrerá; mas não me deixes tu”.

Nessa mesma noite, porém, o puróhita, chefe do sacrifício e sacerdote do fogo, viu num sonho Cansa a puxar a espada contra sua irmã – e correu imediatamente à morada da virgem Devaqui, anunciando-lhe o perigo de morte a ameaça, e ordenando-lhe que, sem perda de tempo, fugisse para entre os anacoretas. E ela disfarçada em penitente sai do palácio de Madurá. Pela manhã dão falta dela e Cansa indaga os guardas que dizem que tinham visto durante o sono fenderem-se os sombrios muros da fortaleza por um raio de luz e uma mulher sair da cidade seguindo esse raio que fendia os muros sombrios... Assim, Cansa compreendeu que um poder invencível protegia Devaqui. Desde então Cansa com o seu coração tomado de medo, passa a odiar mortalmente sua irmã Devaqui.

Enquanto isso, vestida com casca de plantas, entrava Devaqui nas vastas solidões dos gigantescos bosques. Cambaleava, vencida pelo cansaço e pela fome. Embora só tenha sentido a sombra dos bosques admiráveis. Então se encontra com o rei dos anacoretas.

Então Devaqui vê surgir a sua frente uma paisagem duma paz profunda, de um encanto celeste e paradisíaco.

Devaqui viu à borda do lago um barco. De pé, junto dele, um homem de idade avançada, um anacoreta, parecia esperar. Este sinaliza e então, Devaqui entra no barco que segue roçando as ninféias e vê um cisne num vôo arrebatado, um outro corta os ares, descrevendo em torno da fêmea grandes círculos e a abatendo depois sobre a água, junto dela, a sacudir as plumagens de neve. Vendo isso Devaqui estremeceu profundamente sem saber por que. Em seguida chega ao rei dos anacoretas (Vasixta) que tinha mais o ar de um deus que de um homem.

Assim que VasixtaDevaqui, levanta-se, saúda a mulher e diz:


Devaqui, irmã do ilustre Cansa, sede benvinda entre nós! Guiada por Mahadeva, o Senhor Supremo, trocaste o mundo das misérias pelo das delícias. Eis-te, pois, junto dos santos rixis, senhores dos seus sentidos, contentes do seu destino e desejosos de alcançar o caminho que leva ao céu. Há imenso tempo que vos esperávamos, como a noite espera a aurora. Porque nós somos o olho dos devas fitado sobre o mundo, nós que vivemos no mais profundo das florestas. Os homens não nos vêem, mas nós vemos os homens e seguimo-los nas suas ações. A idade sombria do desejo, do sangue e do crime tem flagelado a Terra. Mas nós te elegemos para a obra da libertação, e os devas te escolheram para nós. Porque é nas entranhas de uma mulher que o raio do esplendor divino receberá uma forma humana.”

Quando os rixis saíram das ermidas para oração da tarde, o velho Vasixta ordena-lhes que se dobrem até o chão diante de Devaqui. E Vasixta falou-lhes por esta forma: Aquela será a mãe de todos nós, porquanto dela nascerá o espírito que deve regenerar.” E voltando-se para ela: “Vai, minha filha: os rixis te conduzirão ao lago vizinho onde habitam as irmãs penitentes. Tu viverás entre elas, e os mistérios hão de cumprir-se.”

Assim Devaqui fez e foi morar numa ermida abraçada de cipós, entre as mulheres piedosas. Onde uma velha transmitia-lhe instruções secretas. Todas as penitentes haviam recebido ordem de a vestirem, como a uma rainha de estofos raros e perfumados, deixando-a errar sozinha em plena floresta. E a floresta cheia de perfumes, de vozes e mistérios, atraía a jovem. Às vezes, encontrava cortejos de anacoretas, que regressavam do rio, e que mal a viam, se ajoelhavam à sua roda; depois retomavam o seu caminho.

Um dia, junto de uma fonte em que os lótus cor-de-rosa floresciam, apercebe-se ela de um moço anacoreta, que meditava. Ao acercar-se dele, o moço levanta-se, envolve-se em um profundo olhar triste, e afasta-se em silêncio. Devaqui, começou a sonhar e apareciam em seu sonhos as figuras graves dos velhos, o grasnar dos dois cisnes da lagoa, o olhar do moço anacoreta,...

Junto a essa fonte de lótus cor-de-rosa, havia uma árvore frondosa, de idade imemorável e de grandes ramos (talvez fosse uma figueira), que os santos rixis chamavam de “árvore da vida”. Devaqui gostava de assentar à sombra de seus ramos; e muitas vezes se deixou ali adormecer, assim visitavam-na visões estranhas. Vozes cantavam para lá das folhagens:

“Glória a ti, Devaqui! Ele virá, aureolado de luz, esse eflúvio puro emanado da grande alma, e as estrelas hão de empalidecer diante de seu esplendor. Ele virá, e a vida desafiará a morte, e ele rejuvenescerá o sangue de todos os seus. Ele virá, mais doce do que o mel e a ambrosia, mais puro que o cordeiro sem mácula e a boca de uma virgem, e, então passará por todos os corações o mesmo transporte de amor. Glória, glória, glória a ti, Devaqui!”(Atarva-Veda)


Em sua ida para floresta, provou os frutos da mangueira; deslizou por corredores de verduras; cipós; Ela caminhou toda a tarde e nessa hora descobriu um bosque de bambus. Quando chega ao local onde vivem os anacoretas, encontra um lago semeado de lótus e de ninféias azuis. Ao abrigo das palmeiras sorria o ermida dos anacoretas. Este só se alimentava de frutos selvagens.

Respirou a frescura da fonte no caminho. E o lago que havia no esconderijo dos anacoretas possuía uma claridade rósea e tranqüila, no bosque e na morada dos santos rixis. No horizonte, ao largo, a cumeada branca do monte Merú (montanha do Himávant) dominava o oceano das florestas. O hálito de um rio invisível animava as plantas, e o rumor velado de uma catarata longínqua errava no ar como uma carícia ou uma melodia.

Atraíram-lhe para os anacoretas, o zumbido das abelhas; o grito dos pavões amorosos; o canto dos coquilas (uma espécie de pássaros) e de mil outras árvores. Os gamos e as panteras pulavam pelas alfombras, enquanto os búfalos faziam estalar os ramos e bandos de macacos passavam nas folhagens dando gritos. No bosque de bambus, descobriu um elefante que a reverenciou. Quando chega púdicas cegonhas se revêem na água, imóveis sobre as margens, enquanto duas gazelas bebem nas suas ondas. Do barco no lago que a levava ao rei dos anacoretas Devaqui vê nadando na lagoa, um cisne que rodeava em vôos circulantes uma fêmea. O rei dos anacoretas (Vasixta) ficava assentado sobre uma pele de gazela e vestido de uma pele de antílope negro.



Da Iniciação, Triunfo e Morte de KRISHNA


Da Iniciação:

Entrementes, tendo o rei Cansa sabido que sua irmã Devaqui vivia entre os anacoretas, não conseguindo, todavia, descobri-la, começou a persegui-los e a dar-lhes caça como se fossem bestas ferozes. A fim de lhe fugir tiveram que se refugiar na parte mais inacessível e selvagem da floresta. Entretanto, o seu chefe, o velho Vasixta, apesar dos seus cem anos de idade, pôs-se a caminho para falar ao rei de Madurá. Foi com verdadeira emoção que os guardas viram aparecer às portas do palácio um velho guiado por uma gazela, que trazia presa por um fio. Tomados de respeito pelo rixi, deixaram-no passar. Vasixta acerca-se então do trono onde Cansa se sentava ao lado de Nixcumba, e diz-lhe:

- Cansa, rei de Madurá, desgraçado seja tu, filho do Touro, que persegues os solitários da floresta santa! Desgraçada sejas tu, filha da Serpente, que lhe assopras o ódio. Aproxima-se o dia do vosso castigo. Sabei que o filho de Devaqui vive. Ele virá, coberto duma armadura de escamas infrangíveis, e te despenhará do teu trono na ignomínia. Entretanto, tremei e vivei em temor: é este o castigo decretado contra vós pelos devas.

Os guerreiros, os guardas, os fâmulos prosternavam-se ante o santo centenário, que saiu conduzido pela gazela, sem que alguém ousasse tocar-lhe.

Desde esse momento, porém, Cansa e Nixcumba só pensavam nos meios de aniquilar secretamente o rei dos anacoretas. Devaqui havia morrido, e ninguém, exceto Vasixta, sabia que Krishna era seu filho.

O rumor das proezas deste tinha entretanto chegado aos ouvidos do rei. E Cansa pensa:

- “Eu preciso dum homem forte para me defender. Aquele que matou a serpente de Calenemi não terá por certo medo do anacoreta!

E isto pensando, fez dizer ao patriarca Nanda:
- “Manda-me o moço herói Krishna, para que eu o faço condutor do meu carro e meu primeiro conselheiro”

NOTA DO AUTOR: Na antiga Índia estas duas funções andavam a maior parte das vezes juntas. Os condutores dos carros dos reis eram grandes personagens, e, quase sempre, ministros do monarca, como por inúmeros exemplos, nos informa a poesia hindu.

Nanda transmitiu a Krishna as ordens do rei e Krishna respondeu: “Irei”, pensando de si para si: “Será o rei de Madurá, aquele que é imutável? Por ele eu saberia, se o fosse, o paradeiro de minha mãe.”

Vendo Cansa, o vigor, a destreza e a inteligência de Krishna, afeiçoa-se-lhe e confia-lhe a guarda do seu reino. Nixcumba ao ver, porém, o herói do Monte Méru, sente sobressaltar-lhe a carne um desejo impuro, e o seu espírito sutil trama desde logo, ao clarão dum pensamento criminoso, um projeto terrível. Faz chamar, às ocultas do rei, o condutor do carro ao seu gineceu. Feiticeira, ela tinha a arte de se rejuvenescer momentaneamente por via de misteriosos filtros. O filho de Devaqui encontra, pois, Nixcumba, dos seios de ébano, quase nua sobre um leito de púrpura: anéis de ouro cercavam os seus artelhos e os seus braços; um diadema de pedras preciosas faiscava sobre sua fronte. A seus pés ardia um braseiro de que se evolava uma nuvem de perfumes.

Então ela disse:

- Krishna, disse a filha do rei das Serpentes, a tua fronte é mais calma que as neves do Himavant, e o teu coração é como a ponta do raio. Tu resplandeces, na tua inocência, acima dos reis da terra. Ninguém aqui te reconheceu; nem tu próprio sabes quem és. Eu, somente eu, o sei: os devas fizeram de ti o senhor do mundo. Queres?

Respondeu Krishna, com um ar grave:

- Se é Mahadeva quem fala pela tua boca, tu me dirás onde está minha mãe e onde encontrarei o grande velho que me falou sob os cedros do Monte Méru.

Disse Nixcumba com sorriso desdenhoso:

- Tua mãe? Certamente que não será por mim que tu o saberás, quanto ao velho, nem sequer o conheço. Insensato! Tu persegues sonhos e não queres ver os tesouros da terra que te ofereço. Há reis que ostentam a coroa e que não são reis. Há filhos de pastores que trazem a realeza assinalada em sua fronte e que ignoram a sua própria força. Tu és forte, tu és moço, tu és belo, serão teus os corações. Mata o rei durante o seu sono e eu colocarei a coroa sobre a tua cabeça, e tu serás o senhor do mundo. Porque eu te amo e tu me estás destinado. Eu o quero, eu ordeno!

Assim falando, a rainha soerguera-se do leito de púrpura, fascinante, imperiosa, terrível como uma bela serpente. Levantada sobre o tálamo, ela lança dos seus olhos nos olhos límpidos do moço herói um jato de luz tão sombria, que este estremece de espanto. Era como que o inferno, que lhe aparecia nesse olhar e lhe faz rever o abismo do templo de Cali, deusa do desejo e da morte, e as serpentes que se retorciam como uma agonia eterna... Então subitamente, com os seus olhos que pareciam dois gládios, como que transpassou de lado a lado a rainha. E o herói do Monte Méru, exclama:

- Eu sou fiel ao rei que me tomou para seu defensor, mas tu, tu sabes que vais morrer!

Nixcumba dá um grito lancinante e rola sobre o seu leito, mordendo a púrpura. Toda a sua mocidade fictícia se desvanecera, e ficava de novo velha e encarquilhada.

Krishna, deixando-a entregue à sua cólera, saiu.

Ora, perseguido noite e dia pelas palavras do anacoreta, o rei de Madurá disse um dia ao condutor de carro de seu reino:

- Depois que o inimigo pôs o pé em meu palácio, nunca mais tornei a dormir em paz. Um feiticeiro infernal de nome Vasixta, que vive numa floresta profunda, veio aqui lançar-me a sua maldição. Desde então eu não respiro; o velho envenenou os meus dias. Mas junto de ti, que nada temes, eu já não o temo. Vem comigo à floresta maldita. Um espião que conhece todas as sendas, nos conduzirá até ele. Logo que o vejas, lança-te a ele, prende-o bem, antes que possa dizer uma única palavra ou lançar-te sequer um olhar. Quando o tiveres ferido mortalmente, pergunta-lhe, então, onde está o filho de minha irmã Devaqui e qual o seu nome. A paz de meu reino depende desse mistério.

- Fique tranquilo, respondeu Krishna, eu não me arreciei de Calanemi nem da serpente de Cali. Quem, pois, poderá fazer-me tremer? Por mais possante que seja esse homem, eu saberei o que ele oculta.

Disfarçados em caçadores, o rei e o seu guia rolaram em seu carro de cavalos fogosos e rodas velozes. O espião que explorava a floresta ia atrás deles.

Era o começo da estação das chuvas. Os rios intumesciam-se; uma forte vegetação recobria os caminhos; as manchas brancas das cegonhas agitavam-se no alto, sobre o dorso das nuvens.

Mal os viajantes se aproximavam da floresta sagrada, logo o horizonte se ensombrecia, se velava o sol e se cercava a atmosfera duma bruma cor de bronze. As nuvens pendem, como trombas d’água, do céu tempestuoso sobre os bosques assombrados.

- Por que é, perguntou Krishna ao rei, que o céu se escureceu tão de repente, e a floresta se tornou tão negra?

- É Vasixta, diz o rei de Madurá, o maléfico solitário que ensombreceu o céu e eriça contra mim a floresta maldita! Mas terá tu medo, Krishna?

- Que o céu mude de rosto e a terra de cor, - eu não terei medo!

- Então, avancemos!

Krishna fustiga os cavalos, e o carro penetra na sombra densa dos baobás, rodando por algum tempo com uma velocidade maravilhosa. Mas a floresta tornava-se cada vez mais selvagem e mais terrível. Relâmpagos fendem o espaço, e o trovão rouqueja ao largo.

- Nunca vi, diz Krishna, o céu tão negro e as árvores torcerem assim. Oh! É um homem poderoso o teu feiticeiro!

- Krishna, matador de serpentes, herói do Monte Méru, terás tu medo?

- Que a terra trema e que o céu desabe – e eu não terei medo!

Novamente o ousado condutor fustiga os cavalo e o carro roda como numa vertigem. Mas a tempestade torna-se então tão aterradora que as árvores gigantescas curvam-se. A floresta abalada ruge, com um alarido de mil demônios. O raio cai ao lado dos viajantes, os cavalos recuam e a terra estremece.

- É pois, um deus, o teu inimigo, diz Krishna, visto que o próprio Indra o protege.

- Eis-nos chegados ao fim da nossa jornada, diz o espião do rei. Olhais esta aleia de verdura. Na extremidade encontra-se uma cabana miserável. É ali que habita Vasixta o grande muni, alimentando-se de aves, rodeado de feras e defendido por uma gazela. Mas nem por um reino eu daria um passo mais.

A estas palavras, o rei de Madurá tornou-se lívido:

- “É na verdade ali? Por detrás daquelas árvores?”

E aferrando-se a Krishna, segreda-lhe em voz sumida, num estremecimento de todos os seus membros:

- Vasixta! Vasixta, que medita a minha morte, está lai. E vê-me do fundo do seu retiro... e os seus olhos perseguem-me... Livra-me dele!

- Sim, por Mahadeva, diz Krishna, saltando do carro por sobre um tronco de baobá, eu quero ver aquele que assim te faz tremer.

O muni centenário, Vasixta, vivia há um ano naquela cabana, escondida no mais profundo da floresta santa, aguardando a morte. Antes da morte do corpo já ele se libertara da prisão dos sentidos. Os seus olhos haviam-se extinguido; porém via através da alma. A sua carne apenas percebia a sensação do calor e do frio, mas o seu espírito vivia em uma unidade perfeita com o espírito soberano. Não via as coisas deste mundo senão através da luz de Brahma, rezando, meditando sem cessar. Um discípulo fiel trazia-lhe todos os dias da ermida alguns grãos de arroz, com que se alimentava. A gazela, que pastava pela sua mão, avisava-o, da aproximação das feras, que ele afastava murmurando algumas palavras e estendendo para elas o seu bastão de bambu de sete nós. Quanto aos homens, esses, vê-los-ia vir, quem quer que fosse, a légua de distância, com os olhos do espírito.

Krishna, avançando pela aleia obscura, encontrou-se subitamente em face de Vasixta. O rei dos anacoretas estava sentado sobre uma esteira, os joelhos cruzados, o tronco apoiado contra um barrote da cabana, imerso numa paz profunda. Ardia nos olhos parados de cego uma cintilação interior de vidente. Krishna reconheceu-o, logo que o avistou como – “o velho sublime” – e então apoderou-se dele uma comoção de alegria; um respeito súbito fazia dobrar a sua alma.

Esquecendo o rei, o seu carro e o seu reino, os joelhos dobram-se-lhe ante o santo – e adora-o.

Vasixta parecia vê-lo. O seu corpo, encostado à cabana, agitou-se numa pequena oscilação; os braços alongaram-se para o seu hóspede em ar de benção, enquanto os seus lábios murmuravam a sílaba sagrada:

AUM

Nota do autor: Esta palavra sagrada significa na iniciação brahmânica: O Deus-Supremo, o Deus-Espírito. Cada uma das suas letras corresponde a uma das suas faculdades divinas, vulgarmente falando a uma das pessoas da trimurti.

Entrementes Cansa, vendo que nem sequer ouvia um grito e que seu condutor não voltava, foi-se dirigindo pela alameda, fora num passo furtivo e medroso. Ao deparar com Krishna ajoelhado em frente do santo anacoreta, fica subitamente petrificado de espanto.

E Vasixta, fitando os seus olhos parados de cego no rei cheio de terror, levanta o bastão de sete nós e exclama:

- Ó rei de Madurá, tu vens para me matar: Bem hajas! Por me libertar da miséria do corpo. Queres saber onde está o filho da tua irmã Devaqui, não é verdade? Aí o tens, curvado diante de mim e diante de Mahadeva. É Krishna, o teu próprio condutor! Considera quanto és insensato e maldito, pois que o teu inimigo implacável é o teu próprio servidor. Tu conduziste-o aqui para eu lhe dizer que é ele próprio o filho predestinado de tua irmã. Treme, que estás perdido, porquanto a tua alma infernal vai ser presa dos demônios!

Cansa escuta, estupefato. Não se atrevia a olhar face a face o velho; pálido de raiva, e vendo que Krishna se não erguia da sua atitude de adoração, pega então do seu arco e, retesando-o com toda a sua força, disparou uma seta contra o filho de Devaqui. Tremeu-lhe, porém, o braço e, desviando-se, o dardo foi cravar no peito de Vasixta, que, os braços postos em cruz, parecia esperá-la, como um êxtase.

Um grito se ouviu, - um grito terrível, partido não do peito do ancião, mas do de Krishna. Ele sentira zunir-lhe a flecha ao ouvido, havia-a visto penetrar na carne do santo... e pareceu-lhe que era em seu próprio coração que se embebera, de tal maneira a sua alma se tinha identificado nesse momento com a do rixi.

Dir-se-ia que com essa flecha aguda toda a dor do mundo trespassava a alma de Krishna, dilacerando-a até às suas profundezas.

No entretanto, Vasixta, embebido o dardo no peito, e sem mudar de postura, agitou ainda os lábios murmurando:

- Filho de Mahadeva, para que soltaste esse grito? Matar é inútil. O dardo não pode extinguir a alma e a vítima é sempre a vencedora do assassinato. Triunfa, Krishna; o destino cumpriu-se; em retorno Àquele que é imutável. Que Brahma receba a minha alma. Mas tu, seu eleito, o salvador do mundo, de pé! Krishna! Krishna!

Krishna levantou-se, levando a mão à espada... Cansa, porém, havia fugido.

Um clarão fendeu, então o céu negro e Krishna tombou por terra como que fulminado por uma luz resplandecente. Enquanto o seu corpo se tornava insensível, a sua alma, unida à do velho pelo poder da simpatia, ascendia nos espaços. A terra inteira, com seus rios, seus mares, seus continentes desaparecia como uma grande esfera negra e os dois remontavam-se ao sétimo céu dos devas para junto do Pai dos seres, o sol dos sóis, Mahadeva, a inteligência divina. Eles mergulharam num oceano de luz, que se abria à sua roda. E Krishna viu então, ao meio da esfera, Devaqui, a sua mãe radiosa, a sua mãe glorificada, que com um sorriso inefável lhe estendia os braços, o atraía ao seu seio.

Milhares de devas vinham banhar-se no resplendor, que irradiava da Virgem-Mãe, como de um facho incandescente. Krishna sentiu-se como que reabsorvido num olhar amoroso de Devaqui. E então do coração da mãe radiosa, o seu ser refulgiu através de todos os céus.

Sentiu que era o Filho, a alma divina de todos os seres, a Palavra de vida, o Verbo Criador. Superior à vida universal, ele penetrava-a todavia, pela essência da dor, pelo fogo da oração e pela felicidade dum divino sacrifício.

NOTA DO AUTOR: A lenda de krishna faz-nos colher na sua própria fonte original a ideia da Virgem-Maria, do Homem-Deus e da Trindade. Essa idéia aparece na Índia, desde a sua origem, no seu simbolismo transparente, e com toda a profundeza do seu sentido metafísico. No livro V, cap II, o Vixnu Purana, depois de ter narrado a concepção de Krishna por Devaqui, ajunta: “Ninguém podia fitar Devaqui, devido à luz que a envolvia, sentindo-se perturbados aqueles que contemplassem o seu esplendor; os deuses, invisíveis aos mortais, celebravam continuadamente os seus louvores desde que Vixnu se encerrara na sua pessoa. Os deuses diziam: “Tu és essa Prácriti infinita e sutil que outrora trazias Brahma em seu seio; tu foste em seguida a deusa da Palavra, a energia do Criado do Universo e a Mãe dos Vedas. Ó tu, ser eterno, que compreendes na tua substância a essência de todas as coisas criadas, tu foste idêntica com a criação, tu foste o sacrifício donde procede tudo o que a terra gera e tu és a madeira que pela fricção concebe o fogo. Como Áditi, tu és a mãe dos deuses; como Diti és a mãe dos Dátios, seus inimigos. Tu és a luz donde nasce o dia; tu és a humildade, mãe da verdadeira sabedoria; tu és a política dos reis; mãe da ordem; tu és o desejo de que nasce o amor; tu és a satisfação de que deriva a resignação; tu és a inteligência, mãe da ciência; tu és a paciência, mãe da coragem; todo o firmamento e as estrelas todas são tuas filhas, é de ti que procede tudo que existe... Tu desceste à terra para salvação do mundo. Tende compaixão de nós, ó deusa! E mostra-te favorável ao universo, e sê orgulhosa por trazeres no ventre o Deus que sustem o mundo.”

Esta passagem prova que os brâhmanes identificavam a mãe de Krishna com a substância universal e o princípio feminino da natureza. Fizeram-na a segunda pessoa da Trindade Divina, da tríade inicial e não manifestada.

O Pai, Nara (Eterno-Masculino); a Mãe, Nari (Eterno-Feminino); o Filho, Viradi (Verbo-Criador), tais são as faculdades divinas, ou, por outros termos; o princípio intelectual, o princípio plástico e o princípio produtor. O conjunto de todas três produz a natura naturans, para empregar uma expressão de Spinosa.

O mundo organizado, o universo vivo, natura naturata, é o produto do verbo criador que, por seu turno, se manifesta por três formas: Bramá, o Espírito, corresponde ao mundo divino; Vixnu, a Alma, corresponde ao mundo humano; Xiva, o corpo, corresponde ao mundo natural. O princípio masculino e princípio feminino (essência e substância), são igualmente ativos nesses três mundos, e o Eterno-feminino manifesta-se simultaneamente na natureza terrestre, humana e divina. Ísis é tríplice, Cibele, também. Assim concebida, a dupla trindade, a de Deus e a do universo, contém os princípios e o quadro de uma teodicéia e duma cosmogonia. É de justiça reconhecer que esta idéia-mãe é originária da Índia. Todos os templos antigos, todas as grandes religiões e muitos filósofos célebres a têm adotado.

No tempo dos Apóstolos e nos primeiros séculos do Cristianismo, os iniciados cristãos veneravam o princípio feminino da natureza visível sob o nome de Espírito Santo, representado por uma pomba, sinal do poder feminino em todos os templos da Ásia e da Europa. Se depois a Igreja ocultou e perdeu a chave dos seus mistérios, o sentido destes conserva-se ainda escrito nos seus símbolos.

Ora, quando Krishna voltou a si, o trovão rolava ainda pelo céu, a floresta mergulhava na sombra, enquanto a chuva desabava a torrente sobre a cabana.

Uma gazela lambia o sangue que se derramara pelo corpo do asceta trespassado. O “Velho sublime” não era mais do que um cadáver. Porém, Krishna, esse levantava-se como um ressuscitado. Separava-o um abismo do mundo e das suas aparências vãs. Ele havia entrevisto a grande verdade e compreendido a sua missão.

Quanto ao rei Cansa, fugia cheio de espanto acossado pela tempestade, sobre o seu carro, cujos cavalos se empinavam como chicoteados por mil demônios.


A Doutrina dos Grandes Iniciados

Os anacoretas saudaram Krishna, como o sucessor esperado e predestinado de Vasixta. Celebrada na floresta sagrada a xrada ou cerimônia fúnebre do santo ancião, foi entregue ao filho de Devaqui o bastão de sete nós, insígnia do poder, depois de se haver consumado o sacrifício do fogo em presença dos anacoretas mais velhos – aqueles que sabem de cor os três Vedas.

Em seguida, Krishna retirou-se para o monte Méru, para ali meditar a sua doutrina e descobrir a via da salvação humana. Duraram sete anos as suas meditações e as suas austeridades. Passado esse tempo, ele sentiu que a sua natureza divina dominara a sua natureza terrena, para merecer o nome de filho de Deus. Só então chama a si os anacoretas, os moços e os velhos, a fim de lhes revelar a sua doutrina.

Assentados todos sob os cedros do monte Méru, em face do Himavant, ouvem Krishna, que começa por falar aos seus discípulos das verdades inacessíveis aos homens, que vivem na escura escravidão dos sentidos. Ele ensina-lhes a doutrina da alma imortal, das suas renascenças e da sua união mística com Deus.

O corpo – dizia, invólucro da alma que faz dele a sua moradia, é uma coisa finita, mas a alma que o habita, essa é invisível, imponderável, incorruptível, eterna.(1)

NOTA DO AUTOR: (1) O enunciado desta doutrina, que mais tarde se torna a de Platão, encontra-se no livro I da Bhagavad Gita, sob a forma de um diálogo entre Krishna e Arjuna.

O homem terreno é tríplice como a divindade que reflete: inteligência, alma, corpo.

Se a alma se une a inteligência, ela alcançará Satwa, a sabedoria e a paz;
Se se conserva indecisa entre a inteligência e o corpo é dominado por Radja, a paixão, e volteia de objeto em objeto num círculo fatal;
Se se abandona ao corpo, tomba no Tamas, a loucura, a ignorância e a morte temporária.
Eis o que cada homem poderá observar dentro de si mesmo e à sua roda.(2)

NOTA DO AUTOR: (2) Livro XIII a XVIII da Bhagavad Gita

E Krishna diz que o destino da alma depois da morte, obedece sempre à mesma lei, não se lhe furta nunca, obedece-lhe, sempre. Reside nisso o mistério das renascenças.

Quando o corpo está dissolvido, logo que Satwa (a sabedoria) domina, a alma evola-se às regiões desses seres puros que têm conhecimento do Todo Infinito.

Quando o corpo se desfaz enquanto Radja (a paixão) o domina a alma vem habitar de novo entre aqueles que estão apegados às coisas da terra.

Da mesma maneira, se o corpo é destruído enquanto Tamas (a ignorância) predomina, a alma, obscurecida pela matéria, é de novo atraída por qualquer matriz de seres irracionais.(3)

NOTA DO AUTOR: (3) Livro XIV da Bhagavad Gita

- Escutai, pois, diz Krishna, um enorme e profundíssimo segredo, o mistério soberano, sublime e puro. Para se chegar à perfeição, é mister conquistar a ciência da unidade, que está acima da sabedoria; é mister elevarmo-nos até o ser divino, que está acima da alma, mais alto mesmo que a inteligência. Ora esse ser divino, esse amigo sublime, existe em nós próprios, está dentro de cada um de nós. Porque Deus reside no interior de cada homem, mas poucos sabem encontrá-lo.

Ora, eis aí o verdadeiro caminho da salvação. Uma vez que tu te tenha apercebido do ser supremo, que está acima do mundo e que está em ti mesmo, decide-se a abandonar o inimigo que se disfarça sob a forma do desejo. Dominai as vossas paixões.

“Dominai o EGO!”

Ora, sabei-o, a alma que encontrou Deus, está isenta da renascença e da morte, da decrepitude e da dor, e bebe a água da imortalidade.

...

Krishna insiste: “Escutai o que ele (Mahadeva) vos diz pela minha boca; eu e vós, todos nós havemos tido várias encarnações. As minhas só de mim mesmo são conhecidas; mas vós nem as vossas conheceis. Ainda que eu não esteja, pela minha natureza, sujeito a renascer ou a morrer e que seja o senhor de todas as criaturas, no entanto, como sou eu que dirijo a minha natureza, torno-me visível pelo meu próprio poder, e sempre que a virtude decline no mundo e que o vício e a injustiça a vençam, eu me tornarei visível, e me mostrarei de idade em idade para a salvação do justo, destruição do malévolo e restabelecimento da virtude. Aquele que conheça, verdadeiramente, a minha natureza e a minha obra divina, deixando o seu corpo, nunca mais volta a encarnar de novo, e então une-se a mim.”

- Vós não tínheis os vossos olhos abertos. Eu vos entreguei o grande segredo: não o digais senão àqueles que o possam entender. Vós, que sois meus eleitos, vedes o fim, e a multidão não vê senão um vazio no caminho. E, entretanto, ide, ide pregar ao povo o caminho da auto-realização.



Do Triunfo de Krishna:

Depois de ter instruído seus discípulos sobre o Monte Merú, Krishna transportou-se com eles à beira do Iamuná e do Ganges, a fim de ensinar ao povo. Entrava pelas cabanas e demorava-se pelas vilas. A multidão agrupava-se à sua volta, pelas tardes, nas cercanias das povoações. O que ele pregava ao povo era, acima de tudo, a caridade para com o próximo. “os males com que afligimos o nosso próximo, dizia, perseguir-nos-ão, como a nossa sombra segue o nosso corpo.”

As obras que têm por princípio o amor do nosso semelhante, são aquelas que devem ser ambicionadas pelo justo, porque são as que mais pesarão na balança celeste.

– Se frequentas os bons, o teu exemplo será útil; não temas, pois, viver  entre os maus para os converteres ao bem.

– O homem virtuoso é semelhante ao castanheiro gigantesco cuja sombra benfazeja dá às plantas que o cercam a frescura da vida.


Krishna, cuja alma rescendia um perfume de amor, falava a reveses da abnegação e do sacrifício numa voz suave em imagens empolgantes:

- Da mesma forma que a terra suporta os que a calcam aos pés e lhe dilaceram o seio, lavrando-a, da mesma maneira nós devemos retribuir o mal com o bem.

- O homem honesto deve tombar sob os golpes dos maus, como a árvore do sândalo, que, ao abater-se, perfuma o machado que a destruiu...


Quando os meio-sábios, os incrédulos ou os orgulhosos lhe pediam que lhes explicasse a natureza de Deus, respondia com sentenças como estas:

- A ciência do homem não é mais que vaidade; todas as suas boas ações são ilusórias, desde que ele não saiba referi-las a Deus.

- Aquele que é humilde de coração e de espírito é amado de Deus; e não tem necessidade de outra coisa. Só o infinito e o espaço podem compreender o infinito; só Deus pode compreender Deus.

Não eram estas as únicas coisas novas da sua doutrina, que arrebatava. Ele arrastava multidões, sobretudo pelo que dizia do Deus vivo, de Vixnu.

Ensinava que o senhor do Universo se tinha por mais de uma vez encarnado entre os homens. Havia aparecido sucessivamente na pessoa dos sete rixis, em Viaça e em Vasixta. E apareceria ainda. Mas Vixnu, no dizer de Krishna, comprazia-se em falar pela boca dos humildes, de algum mendigo, de alguma mulher arrependida, de alguma criança.

*Notem a semelhança com Pedro na bíblia ocidental...

E contava ao povo a parábola do pobre pescador Durga, que encontrara um menino morrendo de fome sob uma tamareira. O bom Durga, ainda que vergado sob a miséria e sobrecarregado por uma família numerosa, que nem ele sabia como haveria de alimentar, apiedou-se comovidamente do pequenino, levando-o para sua cabana.

Ora, tinha o sol desaparecido, a lua espalhava-se no Ganges, a família havia pronunciado já a oração da tarde, e o pequenino murmurava a meia voz: “O fruto da cataca purifica a água; assim as boas ações purificam a alma. Toma as tuas redes, Durga: a tua barca flutua sobre o Ganges”. Durga lança então as suas redes, que saem da água carregadas de peixes.

E a criança desapareceu. Assim, dizia Krishna, quando o homem esquece a sua própria miséria, pela dos outros, Vixnu manifesta-se e enche-lhe o coração de ventura. Era por exemplos semelhantes que ele pregava o culto do Eterno. Todos se maravilhavam de encontrar Deus tão perto do coração, quando o filho de Devaqui falava.

A história de Sarasvati e Nixdali


A fama do santo pelo Monte Merú, expandiu-se pela Índia toda. Os pastores que o haviam criado e assistido às suas primeiras proezas, não queriam crer que esse santo personagem fosse o herói impetuoso que haviam conhecido.


O velho Nanda morrera, mas suas duas filhas Sárasvati e Nixdali, que Krishna amara, viviam ainda. Diversos haviam sido seus destinos. Sárasvati, irritada pelo abandono de Krishna, procurara o esquecimento no casamento. Tornara-se a mulher dum homem de casta nobre, que a pedira, encantado com a sua beleza, repudiando-a em seguida a um váixia ou comerciante.

Passado pouco tempo, Sarasvati deixara por desprezo esse homem para se entregar à má vida. Porém, certo dia, de coração desolado, tomada pelo remorso e pelo desgosto, ela regressa a seu país natal, e procura secretamente sua irmã Nixdali. Esta, pensando sempre em Krishna, como se o tivesse presente, não se casara e vivia junto dum irmão como servente. Contando-lhes Sarasvati os seus infortúnios e a sua vergonha, Nixdali respondeu-lhe:

- Minha pobre irmã! Eu perdoo-te, mas meu irmão não te perdoará nunca. Só Krishna te pode salvar.

Uma chama brilha nos olhos apagados de Sarasvati:

- Krishna! Exclama: - Que é feito dele?

- É um santo, um grande profeta, que prega sobre as margens do Ganges.

- Vamos procurá-lo! Diz Sarasvati.

E as duas irmãs puseram-se a caminho, uma fanada pelas paixões, a outra embalsamada pela inocência – e, todavia, ambas consumidas elo mesmo amor.

Krishna preparava-se para ensinar a sua doutrina aos guerreiros ou xátrias, pois que o fazia interpoladamente, aos brâhmanes, aos homens da casta militar e ao povo.

Aos brâhmanes explicava, com a calma da idade madura, as verdades profundas da ciência divina; em face dos rajás, celebrava, com o ardor entusiasta da juventude, as virtudes guerreiras e familiares; ao povo falava com a singeleza da infância, da caridade, da resignação e da esperança.

O filho de Devaqui estava, pois, sentado à mesa dum festim em casa dum chefe de nomeada, quando as mulheres pediram para serem apresentadas ao santo.

Deixam-nas entrar, devido aos seus trajes de penitentes. Sarasvati e Nixdali correram a ajoelhar-se aos pés de krishna, e Sarasvati clama, lavada numa torrente de lágrimas:

- Desde que nos abandonaste, tenho passado a minha existência no erro e no pecado: mas se quiseres, Krishna, podes salvar-me!...

- Ó Krishna! A primeira vez que te vi, logo soube que te amaria para sempre; agora, que te reencontro em plena glória, sei que tu és filho de Mahadeva!...

E ambas se arrojaram, abraçando-o pelos joelhos.

Os rajás disseram:

- Por que é, santo rixi, que tu consentes que estas mulheres do povo te afrontem com suas palavras insensatas?

Krishna respondeu-lhes:

- Deixai-as abrir seus corações: eles valem bem mais do que os vossos! Porque esta possui a fé e aquela tem o amor. Sarasvati, a pecadora, está salva, desde esta hora, porque acreditou em mim, e Nixdali, em seu silêncio, tem amado mais a verdade, que vós com todos os vossos brados. Sabei, pois, que minha mãe radiosa, que vive no sol de Mahadeva, lhes ensinará os mistérios do amor eterno, enquanto que vós continuareis ainda mergulhados na obscuridade das vidas inferiores.

A partir desse dia, Sarasvati e Nixdali prenderam-se aos passos de Krishna, seguindo-o por toda parte com os seus discípulos.

Inspiradas por ele, ensinaram as outras mulheres.



O Rei de Madurá influenciado por Nixcumba
e as tentativas frustradas de atingir KRISHNA


Cansa continuava a reinar em Madurá. Desde a morte de Vasixta, o rei não tinha um momento de sossego. A profecia do anacoreta realizara-se: o filho de Devaqui estava vivo! O rei vira-o, e, sob o seu olhar, sentira como um folha seca, e muitas vezes quando ia sair do palácio, voltava bruscamente atrás, não obstante a companhia dos guardas, temendo ver o jovem herói terrível e radioso, em pé, junto à sua porta...

Quanto a Nixcumba, essa passava os seus dias enroscada sobre o tálamo de púrpura, ao fundo do gineceu, a cismar em todos os seus poderes perdidos. Logo que soube que Krishna, tornado profeta, pregava sobre as margens do rio Ganges, persuadiu o rei mandar contra ele um bando de soldados, com ordens de lho trazerem algemado. O rei assim o fez.

Quando, porém, Krishna viu os soldados, sorriu e disse-lhes:

- Eu sei quem vós sois e pelo que vindes aqui. Estou pronto a seguir-vos até junto do vosso rei; mas, antes, deixai que vos fale do rei do céu, que é o meu rei.

E começara a falar de Mahadeva, do seu esplendor e das suas manifestações. Quando acabou, os soldados entregaram as armas a Krishna, dizendo-lhe:

- Não te conduziremos preso até o nosso rei, mas seguir-te-emos até o teu.

E haviam ficado com ele.


Cansa, ao saber de tal, ficara terrificado. Nixcumba disse-lhe então:

- Manda os principais do reino.

E assim se fez. Os primeiros do reino marcharam para a cidade onde Krishna então ensinava, prometendo não o escutarem. Quando, porém, viram o fulgor estranho do seu olhar, a majestade de seu porte e o respeito que a multidão lhe testemunhava, não puderam furtar-se a ouvi-lo.

Krishna fala-lhes da servidão interior daqueles que fazem o mal e da liberdade celeste dos que praticam o bem. E os xátrias sentiram-se subitamente invadidos de alegria e surpresa, pois tais palavras os libertavam dum peso enorme, que lhes pesava nas consciências.

- Em verdade, tu és um grande feiticeiro, disseram-lhe. Nós juramos levar-te ao rei, preso por cadeias de ferro, mas é-nos impossível fazê-lo, pois que tu nos libertaste das nossas.

Voltando para junto do rei, disseram-lhe:

- Não pudemos trazer-te esse homem. É um grande santo e tu não tens nada a temer dele.

Vendo o rei que tudo era inútil, fez triplicar os guardas, e reforçar com cadeias de ferro todas as portas da cidade.

Um dia, porém, sentiu um grande tropel na cidade, gritos de alegria e triunfo. Os guardas correram a dizer-lhe: “É Krishna que entra em Madurá. O povo força as portas, quebrando as cadeias de ferro.” Cansa ainda quis fugir; mas os próprios guardas o forçaram a conservar-se no seu trono.

Efetivamente, Krishna, seguido pelos seus discípulos e por um grande número de anacoretas, fazia a sua entrada em Madurá, entre estandartes, no meio de uma multidão compacta de homens, semelhante a um mar agitado pelo vento. Chovia sobre ele uma torrente de grinaldas e de flores. Todos o acalmavam. Defronte dos templos os brâhmanes agrupavam-se sob as bananeiras sagradas, para saudarem o filho de Devaqui, o vencedor da serpente, o herói do Monte Méru, mas, acima de tudo, profeta de Vixnu.

Seguido dum brilhante cortejo, e saudado como um libertador pelo povo e os xátrias, Krishna, apresenta-se ante o rei e a rainha.

- Tu não tens reinado senão pela violência e pelo mal, (diz a Cansa) e merece mil mortes, porque assassinaste o santo velho Vasixta. Todavia, não morrerá ainda. Quero provar ao mundo que não é matando que se triunfa dos inimigos vencidos, mas sim perdoando-lhes.

- Infame feiticeiro, brada Cansa, que roubaste a minha coroa e o meu reino. Acaba comigo!

- Tu falas como um insensato, respondeu Krishna, pois que se morreres em estado de fúria, de crueldade e de crime, estarás irrevogavelmente perdido na outra vida. Se, ao contrário, começares a compreender a tua loucura e a arrepender-te nesta vida, o teu castigo na outra será menor, e, pela intervenção dos espíritos puros, Mahadeva te salvará um dia.

Nixcumba, colada ao rei, murmurava-lhe ao ouvido.

- Insensato! Aproveita-te da loucura do seu orgulho. Enquanto se vive, conserva-se ao menos a esperança de vingança.

Krishna compreendeu, apesar de as não as ter ouvido, as palavras da rainha. E lançando-lhe um olhar severo de penetrante piedade:

- Ah desgraçada! Sempre a tua peçonha. Corruptora, feiticeira negra, que não tens em teu coração senão o veneno das serpentes. Depura-te dele, ou eu me verei um dia forçado a esmagar-te a cabeça. No entretanto, irás com o rei para um lugar de penitência expiar os teus crimes, sob a vigilância dos brâhmanes.

Krishna destituiu o rei e encontrou um sucessor: Arjuna.




ARJUNA

Ora, após os acontecimentos anteriores, Krishna consagra, com consentimento dos grandes do reino, Arjuna, seu discípulo e o mais ilustre descendente da raça solar, como rei de Madurá, e concede a autoridade suprema aos brâhmanes. A fim de furtar esse conselho a perseguições, fez construir para eles uma povoação entre montanhas, defendida por uma alta muralha e por uma população escolhida. Chamava-se essa povoação Duarca, e no seu centro, encontra-se o templo dos iniciados, cuja parte mais importante se ocultava sob o solo.

NOTA DO AUTOR: O Vixnu Puruna, livro V, Cap. XXII e XXX, fala em termos bastante claros dessa cidade: “Krishna resolveu, pois, edificar, uma cidadela, onde a tribo de Iadu encontrasse um refúgio seguro, e que fosse de tal natureza que as p´roprias mulheres pudessem defende-la. A povoação de Duarca era protegida por muralhas elevadas, embelezada por jardins e piscinas, e, tão esplêndida como Amaravati, a cidade Indra. É nessa povoação que ele planta a árvore Parijata, “cujo odor suave se espalha ao longo da terra. Todos aqueles que se lhe acercarem terão o condão de se recordarem de sua existência anterior.” Essa árvore é evidentemente o símbolo da ciência divina  e da iniciação, a mesma que nos depara na tradição caldaica e que de lá passa para o Gênese hebraico. Após a morte de Krishna, a cidade submergiu, à arvore subiu ao céu, mas o tempo subsiste.

Se tudo isso contém um sentido histórico, quer dizer, para quem conheça a linguagem ultra-simbólica e prudente dos hindus, que um tirano qualquer fez arrasar a cidade, e que a iniciação se tonrou cada vez mais secreta.

Entrementes, chegando ao conhecimento dos reis do culto lunar que um rei do culto solar ascendera ao trono de Madurá, e que os brâhmanes se tornariam, por seu intermédio, os senhores da Índia, fizeram aqueles uma liga poderosa entre si com o fim de o destronarem. Por seu turno Arjuna agrupou à sua volta todos os reis do culto solar da tradição branca,  ariana, védica. Do fundo do seu templo de Duarca, Krishna seguia-o e dirigia-o.

Os dois exércitos encontram-se, finalmente, face a face e a batalha estava eminente. Entretanto, Arjuna, não tendo junto de si o seu senhor, sentia perturbar-se-lhe o espírito e esvair-se-lhe a coragem. Mas, certa manhã, pelo raiar do dia, Krishna apareceu defronte da tenda do rei, seu discípulo:

- Por que é, disse severamente o mestre, que tu não iniciaste ainda o combate, que haverá de decidir se hão de ser os filhos do Sol ou os filhos da Lua que dominarão a Terra?

- Não o podia fazer sem ti, respondeu Arjuna. Olha porém, estes dois exércitos imensos, essa multidão de homens que se vão matar entre si.

Da eminência onde estavam, o dominador dos espíritos e o rei de Madurá contemplaram, por instantes, os dois exércitos imensos, postos em ordem de batalha, um em face do outro. Viam-se brilhar as cotas de malha dourada dos chefes e milhares de infantes, de cavalos e elefantes, que aguardavam o sinal do combate. Nesse momento o chefe do exército inimigo, o mais velho dos kurus, soprava na sua concha marinha, essa grande concha cujo som imitava o rugido dos leões. E subitamente, ao seu sinal, ouviram-se os relinchos de milhares de cavalos, um ruído confuso de armas, de tambores e de trombetas, enchendo o campo de batalha de um grande rumor.

A Arjuna cumpria-lhe saltar para seu carro puxado por cavalos brancos, e, assoprando na sua concha azul celeste, dar o sinal de combate esperado pelos filhos do Sol. Mas eis que o rei se deixa dominar pela piedade, e exclama muito abatido:

- Vendo essa multidão que vai lutar, eu sinto caírem-me os braços. A minha boca seca-se; o meu corpo treme; os meus cabelos arrepiam-se; a minha pele queima e o meu espírito desvaira num mau agouro. Que faremos desses reinos, dessas riquezas, desses domínios? Aqueles mesmos para quem nós desejamos esses reinos, essas riquezas, essas glórias, estão ali, de pé, para se baterem olvidando a sua vida e seus bens. Preceptores, pais, filhos, avós, tios, netos, parentes vão estrangular-se uns aos outros. E se eu não tenho vontade de matar para reinar sobre os três mundos, como a terei para reinar sobre esta terra? Que prazer poderei experimentar em matar os meus inimigos? Mortos os maus, o pecado cairá sobre nós.

- Como te acometeu, disse Krishna, esse flagelo do medo, indigno do sábio, fonte de infâmia, que nos expulsa do céu? Não sejas covarde; de pé!

Mas Arjuna, oprimido pelo desânimo, diz:

- Eu não combaterei!

- Ó Arjuna, chamei-te o rei do sono porque em ti o espírito velava sempre. Mas o teu espírito adormeceu, o teu corpo venceu a tua alma. Tu choras aqueles que não deverias chorar, e as tuas palavras são isentas de sabedoria. Os homens instruídos nunca lamentam nem os vivos, nem os mortos. Eu e tu, e todos esses guiadores de homens, havemos existido sempre e não cessaremos jamais de existir. Da mesma maneira que, nesses corpos, a alma passa pela infância, pela mocidade e pela velhice, ela o fará em outros corpos novos. Filho de Bárata! Suporta o desgosto e o prazer com ânimo igual. Aqueles a quem eles não consigam atingir, merecerão a imortalidade. Aqueles que vejam a essência real, veem a eterna verdade que domina a alma e o corpo. Sabe, pois, que o que atravessa todas as coisas, está acima da destruição. Ninguém poderá destruir o Indestrutível. Tu sabes que estes corpos durarão pouco. Mas os videntes sabem, também, que a alma neles encarnada é eterna, indestrutível e infinita. Eis aí porque vais combater, filho de Bárata! Os que creem que a alma pode matar ou que ela pode ser morta, enganam-se igualmente. Ela não mata nem morre. Ela não nasceu nunca e nunca morrerá, e não pode perder o ser que sempre teve. Assim como uma criança se desmuda de roupas velhas, para se apossar de roupas novas, assim a alma rejeita esse corpo  para tomar outros. Nem a espada nem o cutelo a corta; nem o fogo, nem a chama a queima; nem a água, nem a umidade a molha; nem o ar a seca. Ela é impermeável e incombustível. Duradoura, firme, eterna, ela atravessa tudo. Tu não deves inquietar-te, pois, nem com o que nasce nem com o que morre, ó Arjuna. Porque para aquele que nasce é certa a morte, e para aquele que morre é também o nascimento o é. Cumpre o teu dever, sem hesitações: porque para um xátria, não existe nada melhor que um combate justo. Felizes dos guerreiros que encaram a batalha como uma porta aberta para o céu! Se não quiseres, porém, combater este justo combate, tu cairás em pecado, abandonando o teu dever e o teu renome. Todos os seres falarão da tua infâmia eterna, e a infâmia é bem pior que a morte para quem tenha sido honrado.

NOTA: Palavras do Bhagarad Gita

A tais palavras, Arjuna sentiu-se acometido de vergonha e pulsou-lhe nas veias com a sua antiga coragem o seu sangue real. Salta para o seu carro e dá o sinal de combate. Krishna, então, diz adeus ao seu discípulo e abandona o campo de batalha, certo da vitória dos filhos do Sol.

NOTA2: Alguns intérpretes, mesmo orientais, veem nas palavras de Krishna um convite para uma guerra justa, em sentido físico, tomando as palavras dele ao pé da letra. Outros, porém – entre eles Rabindranath Tagore, Mahatma Gandhi e outros iniciados – interpretam as palavras de Krishna em sentido simbólico, como, aliás, toda a luta de Arjuna contra os usurpadores, entendendo que Arjuna é o Eu humano cujo reino foi usurpado pelo Ego, e Krishna é o Eu plenamente realizado, que convida Arjuna a fazer a sua auto-realização, derrotando seu parentes – os sentidos, a mente e as emoções – que, no homem profano, usurpam injustamente o domínio do divino Eu.


Da Morte de Krishna

O profeta havia compreendido, no entanto, que, para fazer aceitar aos vencidos a sua religião, seria mister conseguir sobre a sua alma uma vitória mais difícil que a das armas. Da mesma forma que o santo Vasixta tinha sido varado por uma flecha, para revelar a Krishna, a verdade suprema, da mesma maneira Krishna devia morrer voluntariamente às mãos do seu inimigo mortal, para implantar no coração de seus adversários a fé que pregava aos seus discípulos e ao mundo.

Ele sabia que o antigo rei de Madurá, longe de fazer penitência, se refugiara em casa de seu sogro Calenemi, o rei das serpentes. O seu rancor, sempre estimulado por Nixcumba, fazia-o seguir por espiões, que esperavam o momento propício para o inutilizarem. Ora, Krishna sentia que a sua missão estava terminada, não lhe faltando senão o selo do sacrifício, como prova suprema. Cessou, pois, de evitar e de paralisar o inimigo pelo poder da sua vontade, sabendo que, logo que deixasse de se defender por essa força oculta, o golpe há tanto premeditado não tardaria a colhe-lo na sombra. Mas o filho de Devaqui queria morrer longe dos homens, na solidão do Himavant. Ali sentir-se-ia mais perto de sua mãe radiosa, do velho sublime e do sol de Mahadeva.

Partiu, pois, para uma ermida que se encontrava em um lugar selvático e desolado, junto dos altos cimos do Himavant. Nenhum dos seus discípulos lograra penetrar os seus desígnios. Só Sarasvati e Nixdali o haviam podido decifrar no olhar do mestre por esse poder de adivinhação que existe nas mulheres e no amor. Quando Sarasvati compreendeu que ele queria morrer, lançou-se-lhe aos pés e cingindo-os com furor, bradou:
- Mestre! Não nos deixes!

Nixdali olhou-o e disse-lhe simplesmente:

- Eu sei para onde vais. Mas a nós, que tanto te temos amado, deixai-nos seguir-te.

Krishna respondeu:

- No meu céu, não será recusado o amor. Vinde.

Após uma longa viagem, o profeta e as santas mulheres atingiram umas cabanas agrupadas em torno dum grande cedro nu de folhagens; sobre uma montanha requeimada e fraguenta. Dum lado, as grandes cúpulas nevadas do Himavant; do outro, na profundeza do espaço, um dédalo de montanha; ao largo a planície, a Índia, perdida como um sonho em uma bruma dourada. Na ermida, viviam apenas alguns penitentes, vestidos com cascas de árvores, os cabelos atados em longas madeixas, a barba comprida e mal tratada a cair sobre corpos sujo de lama e poeira, e os membros crestados pelo sopro dos ventos e pela ardência do sol. Alguns deles não tinham mais do que uma pele seca sobre um esqueleto árido.

Vendo este lugar triste, Sarasvati exclama:

- A terra está distante e o céu é mudo. Senhor, por que nos conduziste tu a este deserto abandonado de Deus e dos homens?

- Medita, respondeu Krishna, se queres que a terra se aproxime e o céu fale.

- Contigo, o céu é sempre conosco, disse Nixdali; mas por que é que o céu nos quer deixar?

- É preciso, disse o profeta, que o filho de Mahadeva morra,m trespassado por uma seta, para que  o mundo creia na sua palavra.

- Explica-nos esse mistério.

- Vós o compreendereis, depois da minha morte. Meditemos.

Fizeram durante sete dias meditações e abluções. O rosto de Krishna transfigura-se e parecia que irradiava luz. Ao sétimo dia, as duas mulheres viram alguns arqueiros caminhando para a ermida.

- Eis os arqueiros de Cansa, que te procuram: mestre, defende-te!

Mas Krishna, ajoelhado junto do grande cedro, não interrompeu a sua meditação. Os arqueiros chegaram: contemplaram as mulheres e os penitentes. Eram soldados rudes, de faces amarelas e negras. Ao depararem com a figura extática do santo, sustiveram interditos. Começaram por arrancá-lo ao seu êxtase, endereçando-lhe perguntas, injuriando-o e arremessando-lhe pedras. Nada, porém, o fez sair da sua imobilidade. Então, precipitaram-se sobre ele e acorrentaram-no ao tronco do cedro. Krishna deixa fazer tudo, como adormecido num sonho. Depois os arqueiros, colocando-se à distância, atiraram sobre ele incitando-se mutuamente. À primeira flecha que o transpassa, o sangue brota-lhe da carne ferida, e Krishna exclama: “Vasixta, os filhos do Sol são vitoriosos!” Quando a segunda seta se embebe na sua carne, diz: “Que aqueles que me amam entrem comigo na tua luz.” À terceira, murmurando somente: “Mahadeva!” E, depois, com o nome de Brahaman nos lábios expira.

O sol sumira-se. Um grande vento se alevantou, e uma tempestade de neve tombou no Himavat sobre a terra. O céu escureceu, um turbilhão negro varreu as montanhas. Espantados pelo que tinham feito, os matadores evadiram-se, e as duas mulheres geladas de pavor, rolaram desmaiadas por terra como debaixo de uma chuva de sangue.

O corpo de krishna foi queimado pelos seus discípulos na cidade santa de Duarca. Sarasvati e Nixdali lançaram-se na fogueira para se juntarem ao mestre, e a multidão julgou ter visto o filho de Mahadeva sair entre as labaredas com um corpo de luz, e levando consigo as suas duas esposas. Desde esse dia, uma grande parte da Índia adotou o culto de Vixnu, que conciliava os cultos solares e lunares na religião de Brahman.




Mais Curiosidades

Krishna – Esse homem divino foi criador da Religião Nacional da Índia, o Brahmanismo.


Vixnu-Purana – Narrativa confusa e mítica que encerra dados históricos sobre Krishna. É de um caráter individual.


Bhagavad GitaA “bíblia” de Krishna. Maravilhoso fragmento interpolado no grande poema do Mahabarata, e que os brâhmanes consideram um dos seus mais sagrados livros. Duas fontes, das quais uma representa a tradição popular e a outra a dos iniciados.


Hinduísmo é um termo genérico usado para designar a religião dos hindus, uma das mais antigas do mundo. Inicialmente houve o hinduísmo Védico e posteriormente o hinduísmo Brahmânico.


Ágni – O fogo celeste, que forma o corpo glorioso dos devas e que purifica a alma dos homens. Espalhou pela Terra os seus eflúvios etéreos.


Cali – A deusa do desejo e da morte, que irrompe da terra como um bafo esbraseado.


Pandu – A justiça reinava com os nobres filhos de Pandu, os reis solares, que obedecem à voz dos sábios.


Cansa – Rei da altiva cidade de Madura. Inimigo de Krishna. Homem de coração tortuoso e alma insaciável, que não suportava em torno de si senão escravos. Homenageado pelos reis lunares. Desejava submeter toda a Índia, desde Lança ao Himavant. A fim de realizar o seu desejo se alia a Calanemi.


Calanemi – senhor dos montes Vindia, o poderoso rei dos Iávanas, os homens da face amarela. Sectário da deusa Cali, dedicara-se às artes tenebrosas da magia negra. Chamavam-no o amigo dos rácxasas, ou dos demônios noctívagos, e o rei das serpentes.


Nixcumba – filha do rei feiticeiro Calanemi. Foi oferecida pelo pai, para que houvesse uma aliança, em casamento ao rei Cansa. Comparada a Cali, a própria deusa do desejo. Ventre estéril. Invejava as outras por isso.


Mixcumba – Outra esposa de Cansa, a quem ele escutava. Como outras mulheres de Cansa tinha filhos desse.


Vasixta – rei dos anacoretas. Há sessenta anos que se alimentava exclusivamente de frutos selvagens. A sua cabeleira e a sua barba eram brancas como os cumes do Himávant, a sua pele transparente, olhar vago, com a indiferença de quem medita.


Mahadeva – O Senhor Supremo



O Senhor Krishna é conhecido por muitos nomes. A seguir, damos uma lista de 108 mais freqüêntes para Sri Krishna:

Achala: Senhor imóvel.
Achyuta: Senhor infalível.
Adbhutah: Deus maravilhoso.
Adidev: O Senhor dos senhores.
Aditya: O filho de Aditi.
Ajanma: Quem é Ilimitado e Infinito.
Ajaya: O vencedor da vida e da morte.
Akshara: Senhor indestrutível.
Amrut: Aquele que é doce como néctar.
Anaadih: A Primeira Causa.
Anandsagar: Senhor misericordioso.
Ananta: Senhor infinito.
Aantajit: Senhor sempre vitorioso.
Anaya: Aquele que não têm um líder.
Aniruddha: Aquele que não pode ser obstruído.
Aparajeet: O Senhor que não pode ser derrotado.
Avyukta: Aquele que é claro como o cristal.
Balgopal: O “Todo Atrativo”; o menino Krishna.
Bali: O Senhor da força.
Chaturbhuj: O Senhor dos quatro braços.
Danavendra: Concededor de bênçãos.
Dayalu: Depósito de toda a compaixão.
Dayanidhi: Senhor misericordioso.
Devadidev: Deus dos deuses.
Devakinandan: Filho de Devaki.
Devesh: Senhor dos senhores.
Dharmadyaksha: Senhor do Dharma
Gopal: Aquele que brinca com os vaqueirinhos, e com as Gopas (vacas).
Gopalpriya: Amigo querido dos vaqueirinhos.
Govinda: Aquele que agrada as vacas, a Terra e a natureza inteira.
Gyaneshwar: Senhor do Conhecimento.
Hari: O Senhor da Natureza.
Hiranyagarbha: O Criador todo-poderoso.
Hrishikesh: O Senhor de todos os Sentidos.
Jagadguru: Preceptor do universo.
Jagadisha: O Protetor de todos.
Jagannatah: Senhor do Universo.
Janardhana: O que concede bênção para todos.
Jayatah: Vencedor dos inimigos.
Jyotiraaditya: O Resplendor do Sol.
Kamalnath: O Senhor da Deusa da Fortuna, Lakshmi.
Kamalnayan: O Senhor que tem os olhos como o lótus.
Kamsantak: Matador do demônio Kamsa.
Kanjalochana: O Senhor dos olhos de lótus.
Keshava: Aquele que tem os cabelos longos, pretos, encaracolados.
Krishna: O Senhor da compleição escura.
Laksmikantam: O Senhor da Deusa Lakshmi.
Lokadyaksha: O Senhor de todos os três mundos.
Madan: O Senhor do amor.
Madhava: Senhor do pleno conhecimento.
Madhusudana: Matador do demônio Madhuasura.
Mahendra: Senhor de Indra.
Manmohan: Senhor todo-aprazível.
Manohar: Senhor da belea.
Mayur: O Senhor que tem uma pluma de pavão na Sua coroa.
Mohan: Senhor Todo-atrativo.
Murali: Senhor de toda a doçura; Senhor da flauta.
Murlidhar: O Senhor que segura uma flauta.
Murlimanohar: Deus que toca flauta.
Nandgopala: Filho de Nanda.
Narayana: O refúgio de todos.
Nirañjana: Senhor imaculado.
Nirguna: Aquele que não tem qualidades.
Padmahasta: Aquele que tem Seus pés como um lótus.
Padmanabha: O Senhor que tem o umbigo na forma de uma flor de lótus.
Prabrahmana: A Suprema e Absoluta Verdade.
Paramatma: Senhos de todos os Seres.
Parampurusha: Suprema Personalidade.
Parthasarthi: Quadrigueiro do Partha, Arjuna.
Prajapati: Pai de todas as crianturas.
Punyah: Supremamente puro.
Purshottam: A Alma Suprema.
Ravilochana: Aquele cujos olhos são o Sol.
Sahasrrakash: Senhor dos mil-olhos.
Sahasrajit: Aquele que conquista milhares.
Sahasrapaat: Senhor dos mil pés.
Sakshi: Senhor todo-testemunha.
Sanatana: O Senhor Eterno.
Sarvajana: Senhor Onisciente.
Sarvapalaka: Protetor de todos.
Sarveshwar: Senhor de todos os Deuses.
Satyavachana: Aquele que fala somente a Verdade.
Satyavrata: O Senhor verdadeiramente dedicado.
Shantah: Senhor pacífico.
Shreshta: O mais Glorioso Senhor.
Shrikanta: Belo Senhor.
Shyam: Senhor de compleição escura.
Shyamsundara: Senhor do maravilhoso anoitecer.
Sudarshana: Senhor do Chakra formoso.
Sumedha: Senhor inteligente.
Suresham: Senhor de todos os semideuses.
Swargapati: Senhor dos Céus.
Trivikrama: Vencedor de todos os três mundos.
Upendra: Irmão de Indra.
Vaikunthanatha: Senhor de Vaikuntha, a morada celeste.
Vardhamaanah: Senhor sem-forma.
Vasudev: Senhor filho de Vasudeva; Senhor todo-penetrante.
Vishnu: Controlador Supremo.
Vishwadakshinah: Senhor habilidoso e eficiente.
Vishwakarma: Criador do Universo.
Vishwarupa: Quem mostrou a Forma Universal.
Vishwatma: Alma do universo.
Vrishaparvaa: Senhor do Dharma.
Yadavendra: Rei do clã dos Yadavas.
Yogi: O Mestre Supremo.
Yoginampati: Senhor dos Yogis.


 
Frases de Krishna

No mundo mental: pensar é agir.” Krishna
Quem aprendeu a arte do autodomínio atinge a meta da auto-realização.” Krishna
Fala Krishna: “Eu ensino o caminho da auto-realização”.
O Eu divino é o melhor amigo do homem, mas o ego humano é o seu pior inimigo.” Krishna
“Não basta simplesmente o bem, é preciso ser bom.” Krishna




3 comentários:

  1. SÓ UMA SUGESTÃO PRETO E VERMELHO FICA PÉSSIMO PRA LER. MUDA PARA UM FUNDO CLARO

    ResponderExcluir
  2. SÓ UMA SUGESTÃO PRETO E VERMELHO FICA PÉSSIMO PRA LER. MUDA PARA UM FUNDO CLARO

    ResponderExcluir
  3. Olá Benjamin. Eu penso exatamente o contrário. O vermelho dá ênfase, entendeu?

    ResponderExcluir