segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Moisés (Cerca de 1.400 a. C.)



Moisés, Legislador, Reformador e Organizador
(Cerca de 1.400 a.C.)




Moisés – Profeta, e, o grande líder e legislador por meio de quem Deus retirou os hebreus do Egito, os constituiu como nação para servi-lo e que levou às fronteiras da terra prometida os seus antepassados.




A Missão de Israel

Nada havia que fosse velado para ele, que cobria com um véu a essência de tudo o que vira. (Palavras inscritas sob a estátua de Ftamar, grande sacerdote de Mênfis. Museu do Louvre).

“O mais difícil e o mais obscuro dos livros sagrados, o Gênese, contém tantos segredos quantas palavras, e cada palavra oculta vários daqueles.”
São Jerônimo

“Filho do passado e cheio do futuro, este livro (os dez primeiros capítulos do Gênese), herdeiro de toda a ciência dos egípcios, contém ainda os germes das ciências futuras. O que a natureza tem de mais profundo e de mais misterioso, o que o espírito pode conceber de maravilhas, o que a inteligência tem de mais sublime, ele possui.”

FABRE d'OLIVET, A Língua Hebraica Reconstituída.

(Discurso preliminar)


 

MOISÉS
A Missão de Israel

I

A TRADIÇÃO MONOTEÍSTA E OS PATRIARCAS DO DESERTO

A revelação é tão velha quanto a humanidade consciente. Efeito da inspiração, ela remonta à noite dos tempos. Basta um olhar atento nos livros sagrados do Irã, da Índia e do Egito, para nos assegurarmos de que as idéias-mães da doutrina esotérica constituem sua base oculta, mas vívida. Nelas se encontra a alma invisível, o princípio gerador daquelas grandes religiões. Todos os grandes iniciadores perceberam, em um dado momento de sua vida, a irradiação da verdade central. No entanto, a luz que dela colheram rompeu-se e coloriu-se conforme seu gênio e seu mistério, de acordo com os tempos e os lugares.

Atravessamos a iniciação ariana com Rama, a bramânica com Krishna, a de Ísis e Osíris com os sacerdotes de Tebas. Podemos negar, depois disto, que o princípio imaterial do Deus supremo, que constitui o dogma essencial do monoteísmo e a unidade da natureza tenha sido ignorado pelos brâmanes e pelos sacerdotes de Âmon-Rá? Sem dúvida, eles não faziam o mundo nascer de um ato instantâneo, de um capricho da divindade como nossos teólogos primários. Mas, sábia e gradualmente, pelo caminho da emanação e da evolução, eles arrancavam o visível do invisível, o Universo das profundezas insondáveis de Deus.

A dualidade macho e fêmea saía da unidade primitiva, a trindade viva do homem e do Universo saía da dualidade criadora e assim sem interrupção. Os números sagrados constituíam o verbo eterno, o ritmo e o instrumento da divindade. Contemplados com maior ou menor lucidez e força, eles evocavam no espírito do iniciado a estrutura interna do mundo através de sua própria estrutura. Assim como a nota certa, extraída por meio de um arco de um vidro coberto de areia, desenha em miniatura as formas harmoniosas das vibrações que enchem o vasto reino do ar com suas ondas sonoras.

Mas o monoteísmo esotérico do Egito jamais saiu dos santuários. Sua ciência sagrada conservou-o como privilégio de uma pequena minoria. Os inimigos de fora começavam a atacar vivamente aquele antigo baluarte de civilização. Na época a que chegamos, século XII antes de Cristo, a Ásia naufragava no culto da matéria. A Índia já marchava, a passos largos, para sua decadência. Um poderoso império erguera-se às margens do Eufrates e do Tigre! Babilônia, aquela cidade colossal e monstruosa, desvairando os povos nômades que rondavam em torno. Os reis da Assíria se proclamavam monarcas das quatro partes do mundo e aspiravam a assentar-se os limites de seu império lá mesmo onde termina a terra. Eles aniquilavam os povos, deportavam-nos em massa, reuniam-nos em brigada e os lançavam uns contra os outros. Nem direitos pessoais, nem respeito humano, nem princípio religioso, porém a ambição pessoal sem freio, tal era a lei dos sucessores de Ninus e de Semíramis.

Baixo-relevo de Nínive, antiga capital da Assíria,
vê-se Nemrod, estrangulando um Leão.

A ciência dos sacerdotes caldeus era profunda, mas muito menos pura, menos elevada e menos eficaz do que a dos sacerdotes egípcios. No Egito, a autoridade permaneceu com a ciência. O sacerdócio lá exerceu sempre um poder moderador sobre a realeza. Os faraós foram seus discípulos e jamais se tornaram odiosos déspotas como os reis de Babilônia, onde, ao contrário, o sacerdócio esmagado foi, desde o princípio, só um instrumento da tirania. Em um baixo-relevo de Nínive, vê-se Nemrod, gigante atarracado, estrangulando com seu braço monstruoso um filhote de leão que ele aperta contra o peito. Símbolo expressivo: foi assim que os monarcas da Assíria sufocaram o leão iraniano, o povo heróico de Zoroastro, assassinando seus pontífices, degolando os colegas magos, espoliando seus reis. Se os richis da Índia e os sacerdotes do Egito fizeram a Providência reinar com certa moderação sobre a terra, mediante sua sabedoria, pode-se dizer que o reino de Babilônia foi o reino do Destino, isto é, da força bruta e cega.

Babilônia tornou-se assim o centro tirânico da anarquia universal, o espectador impassível da tempestade social que envolvia a Ásia em seus turbilhões; espectador impassível do Destino, sempre aberto, espreitando as nações para devorá-las. O que podia o Egito contra a torrente invasora? Faltou pouco para os hicsos o devorarem. Resistia valentemente, mas isto não podia durar para sempre. Decorridos seis séculos, o ciclone persa, sucedendo ao ciclone babilônico, iria varrer seus templos e seus faraós. O Egito, que, aliás, possuiu no mais alto grau o gênio da iniciação e da conservação, jamais possuiu o gênio da expansão e da propaganda. Os tesouros acumulados de sua ciência iriam perecer? A maior parte certamente foi enterrada. E quando vieram os alexandrinos somente fragmentos puderam ser desenterrados.

Entretanto, dois povos de gênio oposto acenderam suas tochas naqueles santuários, tochas de raios diversos, um dos quais ilumina as profundezas do céu, e o outro clareia e transfigura a terra: Israel e Grécia.

A importância do povo de Israel para a história da humanidade salta aos olhos, logo à primeira vista, por duas razões. A primeira é que ele representa o monoteísmo; a segunda é que ele deu origem ao cristianismo. Mas, o fim providencial da missão de Israel somente se revela a quem, interpretando os símbolos do Antigo e do Novo Testamento, percebe que eles encerram toda a tradição esotérica do passado, ainda que sob uma forma muitas vezes alterada (no que concerne ao Antigo Testamento sobretudo), pelos numerosos redatores e tradutores, a maior parte dos quais ignoravam o seu sentido primitivo.

Então, o papel de Israel torna-se claro. Pois este povo forma como que o elo necessário entre o antigo e o novo ciclo, entre o Oriente e o Ocidente.

A idéia monoteísta tem por consequência a unificação da humanidade sob um mesmo Deus e sob uma mesma lei. Porém, enquanto os teólogos tiverem de Deus uma idéia infantil e os homens de ciência o ignorarem e o negarem pura e simplesmente, a unidade moral, social e religiosa de nosso planeta não passará de um piedoso desejo ou um postulado da religião e da ciência impotentes para realizá-la. Ao contrário, esta idéia orgânica se revela possível quando se reconhece, esotérica e cientificamente, no princípio divino a chave do mundo e da vida, do homem e da sociedade em sua evolução. Enfim, o cristianismo, isto é, a religião do Cristo, só se revela em sua altura e sua universalidade, mostrando-nos sua reserva esotérica. Somente então ele se mostra como a resultante de tudo o que o precedeu, sintetizando em si os princípios, o fim e os meios da regeneração total da humanidade.

Não é senão em nós, desvendando seus últimos mistérios, que ele se tornará o que é verdadeiramente: a religião da promessa e da realização, quer dizer, da iniciação universal.

Moisés, iniciado egípcio e sacerdote de Osíris, foi incontestavelmente o organizador do monoteísmo. Por, seu intermédio, esse princípio, até então oculto sob o tríplice véu dos mistérios, saiu do fundo do templo para entrar no círculo da história. Moisés teve a audácia de fazer do mais alto princípio da iniciação o dogma único de uma religião nacional, e a prudência de revelar suas consequências somente a um pequeno número de iniciados, impondo-o à massa pelo temor. Além disso, o profeta do Sinai evidentemente teve visões longínquas que ultrapassavam de muito os destinos de seu povo.

A religião universal da humanidade, eis a verdadeira missão de Israel, que poucos judeus compreenderam, além de seus maiores profetas. Esta missão, para se concretizar, supunha o desaparecimento do povo que a representava. A nação judaica se dispersou aniquilada. A idéia de Moisés e dos Profetas venceu e cresceu. Desenvolvida, transfigurada pelo cristianismo, retomada pelo Islão, ainda que de um modo inferior, ela devia impor-se ao Ocidente bárbaro, reagir sobre a própria Ásia. Doravante a humanidade terá, inutilmente, agido, se revoltado, se debatido contra ela em sobressaltos convulsivos, pois tornará a girar em redor daquela mesma idéia central como a nebulosa em redor do Sol que a organiza. É essa a obra formidável de Moisés.

Para realizar essa empresa, a mais colossal desde o êxodo pré-histórico dos árias, Moisés encontrou um instrumento, já pronto, nas tribos hebraicas, particularmente naquelas que, tendo-se fixado no Egito, no vale de Gochen, ali viviam em regime de escravidão, sob o nome de Beni-Jacó. Para o estabelecimento de uma religião monoteísta, ele tivera também precursores na pessoa dos reis nômades e pacíficos que a Bíblia nos apresenta sob a figura de Abraão, de Isac e de Jacó.

Consideremos esses hebreus e esses patriarcas. Tentaremos, em seguida, destacar a figura de seu grande Profeta das miragens do deserto e das sombrias noites do Sinai, onde ribomba o raio do Jeová legendário.

Há séculos, há milhares de anos eram conhecidos os ibrins, nômades infatigáveis, eternos exilados (1). Irmãos dos árabes, os hebreus eram, como todos os semitas, o resultado de uma antiga mistura da raça branca com a raça negra. Peregrinaram pelo norte da África, sob o nome de bedones (beduínos), homens sem morada e sem leito, depois, instalaram suas tendas móveis nos vastos desertos entre o mar Vermelho e o golfo Pérsico, entre o Eufrates e a Palestina. Amonitas, elamitas, edomitas, todos esses viajores se assemelhavam. Tinham por veículo o burro ou o camelo; por casa, a tenda; por único bem, manadas errantes como eles mesmos e sempre apascentando em terra estrangeira.

Antiga Babilônia


Como seus ancestrais, os guiborinos, como os primeiros celtas, esses rebeldes odiavam a pedra talhada, a cidade fortificada, a corvéia e o templo de pedra. No entanto, as cidades monstros de Babilônia e de Nínive, com seus palácios gigantescos, seus mistérios e suas libertinagens, exerciam uma irresistível fascinação sobre esses semi-selvagens. Atraídos a essas prisões de pedra, capturados pelos soldados dos reis da Assíria, alistados em seus exércitos, eles às vezes se entregavam às orgias de Babilônia. Outras vezes também os israelitas se deixavam seduzir pelas moabitas, aquelas atrevidas enganadoras, de pele negra, de olhos luzentes. Elas os arrastavam à adoração dos ídolos de pedra e de madeira e até ao culto de Moloque. Mas, de repente, a sede do deserto os acometia e eles fugiam. Voltando para os agrestes vales, onde só se ouvia o rugido das feras; para as planícies imensas, onde só se podiam guiar pelas luzes das constelações, sob o frio olhar daqueles astros que seus avós tinham adorado, eles tinham vergonha de si mesmos. Se, então, um patriarca, um homem inspirado lhes falasse do Deus único, de Elelion, de Eloim, de Sebaote, o Senhor dos exércitos que tudo vê e pune o culpado, aquelas crianças selvagens e sanguinárias cobriam a cabeça e, ajoelhando-se para rezar, deixavam-se conduzir como ovelhas.

E, pouco a pouco, a idéia do grande Eloim, do Deus único, todo-poderoso, enchia sua alma, como no Padan-Harran o crepúsculo confunde todos os acidentes do terreno sob a linha infinita do horizonte, inundando as cores e as distâncias sob a igualdade esplêndida do firmamento e transformando o Universo em uma só massa de trevas coroada por uma esfera cintilante de estrelas.

Porém, quem eram os Patriarcas? Abram, Abraão, ou o pai Oram era um rei de Ur, cidade da Caldéia, próxima de Babilônia. Os assírios o representavam, segundo a tradição, sentado em um trono, fisionomia benevolente (2). Esse personagem, bastante velho, que passou pela história mitológica de todos os povos, pois que Ovídio o cita (3), é aquele mesmo que a Bíblia nos apresenta como emigrando do país de Ur para o país de Canaã, à voz do Eterno: “O Eterno lhe apareceu e lhe disse: Eu sou o Deus forte, todo-poderoso. Marcha diante de minha face e em integridade... Estabelecerei minha aliança entre mim e ti e entre a posteridade para ser uma aliança eterna, a fim de que eu seja teu Deus e o Deus da tua posteridade depois de ti” (Gen. XVI, 17, XVII,7). Esta passagem, traduzida em linguagem de nossos dias, significa que um chefe semita de nome Abraão, muito velho, que provavelmente recebera a iniciação caldaica, sentiu-se impelido pela voz interior a conduzir sua tribo na direção do Oeste e lhe impôs o culto de Eloim.

O nome de Isac, pelo prefixo Is, parece indicar uma iniciação egípcia, enquanto que os de Jacó e de José deixam entrever uma origem fenícia. Seja o que for, é provável que os três patriarcas tenham sido três chefes de populações diversas que viveram em épocas distantes. Muito tempo depois de Moisés, a lenda israelita os reuniu em uma só família. Isac tornou-se o filho de Abraão, Jacó o filho de Isac. Esta maneira de representar a paternidade intelectual pela paternidade física era muito usada entre os antigos sacerdotes. Dessa genealogia lendária ressalta um fato capital: a filiação do culto monoteísta através dos patriarcas iniciados do deserto. Que esses homens tenham tido pressentimentos interiores das revelações espirituais sob forma de sonhos ou mesmo de visões no estado de vigília, isto em nada contraria a ciência esotérica, nem a lei física universal que rege as almas e os mundos. Esses fatos tomaram, na narrativa bíblica, a forma simples de visitas de anjos que se alojam nas tendas.

A escada de Jacó - Gustave Doré

Teriam tido, esses patriarcas, uma visão profunda da espiritualidade de Deus e dos fins religiosos da humanidade? Sem dúvida alguma. Inferiores, na ciência positiva, aos magos da Caldéia como aos sacerdotes egípcios, provavelmente eles os ultrapassavam pela elevação moral e pela largueza de alma que uma vida errante e livre ocasiona. Para eles, a ordem sublime que Eloim implantou no Universo se traduz na ordem social em culto familiar, em respeito por suas mulheres, em amor apaixonado pelos filhos, em proteção a toda a tribo, em hospitalidade para com o estrangeiro. Em resumo, aqueles “velhos pais” são árbitros naturais entre as famílias e as tribos. Seu bastão patriarcal é um cetro de eqüidade. Eles exercem uma autoridade civilizadora e transpiram a mansuetude e a paz. Aqui e ali, sob a legenda patriarcal, vê-se manifestar-se o pensamento esotérico. Assim, quando em Betel, Jacó vê em sonho uma escada, com Eloim no alto e os anjos subindo e descendo seus degraus, reconhece-se ali uma forma popular, um resumo judaico da visão de Hermes e da doutrina da evolução descendente e ascendente das almas.


Alto Sacerdote Melquisedec, Rei de Salém recebendo presentes




Um fato histórico da mais alta importância sobre a época dos patriarcas nos aparece, enfim, em dois versículos reveladores. Trata-se de um encontro de Abraão, com um confrade da iniciação. Depois de ter guerreado com os reis de Sodoma e Gomorra, Abraão, vai render homenagem a Melquisedec. Este rei reside na fortaleza que mais tarde será Jerusalém. “Melquisedec, rei de Salém fez servir pão e vinho. Pois ele era sacrificador de Eloim, o Deus soberano, possuidor dos céus e da terra.” (Gen. XIV, 18 e 19). Eis, portanto, um rei de Salém que é grande sacerdote do mesmo Deus de Abraão. Este o trata como superior, como mestre, comunga com ele sob as espécies do pão e do vinho, em nome de Eloim, o que, no antigo Egito, era um sinal de comunhão entre iniciados. Havia, pois, um laço de fraternidade, sinais de reconhecimento e um fim comum entre todos os adoradores de Eloim, do fundo da Caldéia até a Palestina, e talvez até em alguns santuários do Egito. Essa conjugação monoteísta esperava apenas um organizador.

Assim, entre o Touro alado da Assíria e a Esfinge do Egito, que de longe observam o deserto, entre a tirania esmagadora e o mistério impenetrável da iniciação, avançam as tribos eleitas dos Abramitas, dos Jacobelitas, dos Beni-Israel. Fogem das festas indecorosas de Babilônia; passam, desviando-se, diante das orgias de Moa, dos horrores de Sodoma e de Gomorra e do culto monstruoso a Baal.

Sob a proteção dos patriarcas, a caravana segue seu caminho, cercado de oásis, marcado por raras fontes e esguias palmeiras. Como uma longa fita ela se perde na imensidão do deserto, sob o sol abrasador, sob a púrpura do pôr-do-sol e sob o manto do crepúsculo que Eloim domina. Nem os rebanhos, nem as mulheres, nem os velhos conhecem o fim da eterna viagem. Todavia, eles avançam ao passo dolente e resignado dos camelos.

Para onde vão eles assim, sempre?

Os patriarcas o sabem. E Moisés lhes revelará um dia.

(1). Ibrim quer dizer “os do outro lado, os do além, aqueles que atravessaram o rio”. Renan, Hist. du peuple d’Israel.
(2). Renan, Peuple d'Israel.
(3). Rexit Achaemenias pater Orchamus, isque Septimus a prisco numeratur origine Belo. Ovídio, Metamorfoses, IV, 212.



II

INICIAÇAO DE MOISÉS NO EGITO.
SUA FUGA PARA A CASA DE JETRO

Ramsés II foi um dos grandes monarcas do Egito. Seu filho se chamava Meneftá. Segundo o costume egípcio, ele recebeu sua instrução dos sacerdotes. No templo de Âmon-Ra, em Mênfis, sendo a arte real considerada um ramo da arte sacerdotal. Meneftá era um jovem tímido, curioso e de inteligência medíocre. Tinha pelas ciências ocultas uma paixão pouco esclarecida, a qual o tornou mais tarde vítima dos mágicos e dos astrólogos de baixo nível. Seu companheiro de estudos era um jovem de gênio áspero, de caráter estranho e fechado.


Moisés (ou Hosarsif)


Hosarsif (1) (Primeiro nome egípcio de Moisés) era primo de Meneftá, filho da princesa real, irmã de Ramsés II Filho adotivo ou natural? Jamais se soube (2). Hosarsif era, antes de tudo, o filho do templo, pois crescera entre suas colunas. Votado a Ísis e Osíris por sua mãe, era visto desde a adolescência como levita, na coroação do faraó, nas procissões sacerdotais das grandes festas, levando o efodo, o cálice ou os incensórios; depois, no interior do templo, grave e atento, ouvindo as orquestras sagradas, os hinos e os ensinamentos dos sacerdotes.

Hosarsif era de pequena estatura, tinha a fisionomia humilde e pensativa, com uma fronte como a de um carneiro e olhos negros penetrantes, de uma fixidez de águia e de uma profundidade inquietante. Chamavam-no “o silencioso”, tanto se concentrava em si mesmo, quase sempre mudo. Muitas vezes gaguejava ao falar, como se procurasse as palavras ou temesse manifestar seu pensamento. Parecia tímido. Depois, de repente e como um relâmpago uma idéia extraordinária explodia numa palavra e deixava atrás de si rastros de luz. Compreendia-se então que, se um dia “o silencioso” se pusesse a agir, ele seria de um arrojo assustador. Já estava marcada, entres suas sobrancelhas, a ruga fatal dos homens predestinados às penosas tarefas; e sobre sua fronte pairava uma nuvem ameaçadora.

As mulheres temiam o olhar desse jovem levita, olhar insondável como o túmulo, e sua face impassível como a porta do templo de Ísis. Dir-se-ia que elas pressentiam um inimigo do sexo feminino nesse futuro representante do princípio masculino em religião, naquilo que ele tem de mais absoluto e de mais intratável.

Contudo, sua mãe, a princesa real, ambicionava para o filho o trono dos Faraós. Hosarsif era mais inteligente do que Meneftá e podia esperar uma usurpação do trono com o apoio do sacerdócio. Os Faraós, na verdade, designavam seus sucessores entre os próprios filhos. Mas, às vezes, os sacerdotes anulavam a sentença do príncipe após sua morte, e isto no interesse do Estado. Mais de uma vez, eles afastaram do trono os indignos e os fracos, para dar o cetro a um iniciado real. Meneftá tinha ciúmes do primo; Ramsés vigiava-o e desconfiava do Levi silencioso.

Um dia, a mãe de Hosarsif encontrou o filho no Serapeum de Mênfis, imensa praça, semeada de obeliscos, de mausoléus, de pequenos e grandes templos, de colunas triunfais, uma espécie de museu a céu aberto das glórias nacionais, onde se chegava por uma avenida ladeada por seiscentas esfinges. Diante da real mãe, o Levi inclinou-se até o chão e esperou, segundo o costume, que ela lhe dirigisse a palavra.

Disse-lhe ela:

– Vais penetrar nos mistérios de Ísis e de Osíris. Não te verei mais por muito tempo, meu filho. Mas não te esqueças de que és do sangue dos faraós e que sou tua mãe. Olha ao teu redor... se quiseres, um dia... tudo isto pertencerá a ti!

E com um gesto circular ela apontou-lhe os obeliscos, os templos, Mênfis e todo o horizonte.

Um sorriso de desdém aflorou na fisionomia de Hosarsif, habitualmente lisa e imóvel como uma face de bronze. E ele falou:

– Queres, então, que eu governe este povo que adora Deuses com cabeça de chacal, de íbis e de hiena? De todos estes ídolos, em alguns séculos, o que restará?

Hosarsif abaixou-se, apanhou um punhado de areia fina do deserto e a deixou deslizar para o chão por entre os dedos magros e, aos olhos da mãe espantada, acrescentou:

– Tanto quanto isto.

– Desprezas, portanto, a religião de nossos pais e a ciência de nossos sacerdotes?

– Ao contrário! Eu aspiro a elas! Mas a pirâmide é imóvel. É preciso que ela se ponha em marcha. Não serei um Faraó. Minha pátria está longe daqui... ao longe. . . no deserto!

A princesa reprovou-o, dizendo:

– Hosarsif! Por que blasfemas? Um vento de fogo te trouxe a meu seio e, estou percebendo, é a tempestade que te levará! Eu te coloquei no mundo e não te conheço. Em nome de Osíris, quem és tu, então, e o que vais fazer?

– E eu mesmo o sei? Somente Osíris o sabe. Talvez ele me revelará um dia. Mas, dá-me tua bênção, minha mãe, a fim de que Ísis me proteja e a terra do Egito me seja propícia.

Hosarsif ajoelhou-se diante da mãe, respeitosamente cruzou as mãos sobre o peito e curvou a cabeça. Desprendendo-se da fronte a flor de lótus que trazia, segundo o costume das mulheres do templo, ofereceu-lhe para aspirar seu perfume, e, vendo que o pensamento do filho permaneceria para ela um eterno mistério, afastou-se murmurando
uma prece.

Hosarsif atravessou triunfalmente a iniciação de Ísis. Alma de aço, vontade de ferro, ele se divertiu com as provas. Espírito matemático e universal, desdobrou uma força de gigante na inteligência e no manejo dos números sagrados cujo simbolismo fecundo e aplicações eram então quase infinitos. Seu espírito, desdenhoso das coisas que nada mais são que aparência e dos indivíduos que passam, só se sentia bem nos princípios imutáveis. Lá do alto, tranquila e seguramente, ele penetrava, ele dominava tudo, sem manifestar nem desejo, nem revolta, nem curiosidade.

Tanto para seus mestres como para sua mãe, Hosarsif continuava sendo um enigma. O que mais os impressionava era que ele era íntegro e inflexível como um príncipe. Sentiam ser impossível curvá-lo ou desviá-lo do caminho traçado. Ele marchava em sua estrada desconhecida como um corpo celeste em sua órbita invisível. O pontífice Membra se perguntava até onde iria aquela ambição concentrada: procurou sabê-lo.

Um dia, Hosarsif carregara, com três outros sacerdotes de Osíris, a arca de ouro que precedia o pontífice nas grandes cerimônias. Aquela arca encerrava os dez livros mais secretos do templo, que tratavam de magia e de teurgia.

Entrando no santuário com Hosarsif, Membra lhe disse:

– És de sangue real. Tua força e tua ciência estão acima de tua idade. O que desejas?

– Nada além disto.

E Hosarsif pousou a mão na arca sagrada que as tarrafas de ouro fundido cobriam com suas asas cintilantes.

– Queres tornar-te, então, pontífice de Âmon-Rá e profeta do Egito?

– Não. Mas saber o que existe nestes livros.

– Como sabê-lo-ias tu, uma vez que ninguém, exceto o pontífice, deve conhecê-los?

– Osíris fala como quer, quando quer, a quem quer. O que contém esta arca não passa de letra morta. Se o Espírito vivo quiser falar a mim, ele falará.

– E para isto, o que pretendes fazer?

– Esperar e obedecer.

Essas respostas transmitidas a Ramsés II aumentaram-lhe a desconfiança. Ele temeu que Hosarsif aspirasse ao faraonato, em detrimento de seu filho, Meneftá. O faraó ordenou, em consequência, que o filho de sua irmã fosse nomeado escriba sagrado do templo de Osíris. Esta função era importante, abrangendo a simbologia sob todas as formas, a cosmografia e a astronomia; todavia, afastava-o do trono. O filho da princesa real desempenhou com o mesmo zelo e uma submissão perfeita seus deveres de hierogramático, aos quais se ligava também a função de inspetor de diferentes nomos ou províncias do Egito.

Hosarsif teria o orgulho que lhe atribuíam? Sim, se é por orgulho que o leão cativo ergue a cabeça e olha o horizonte por detrás das barras de sua jaula, sem mesmo ver os transeuntes que o encaram. Sim, se é por orgulho que a águia acorrentada, treme, às vezes, com toda sua plumagem e, com o pescoço estendido e as asas abertas, fita o sol.

Como todos os fortes, marcados para uma grande obra, Hosarsif não se acreditava submetido ao cego Destino; sentia que uma Providência misteriosa velava por ele e o guiaria a seus fins. Enquanto era escriba sagrado, Hosarsif foi enviado para inspecionar o Delta. Os hebreus tributários do Egito, que então habitavam o vale de Gossen, estavam submetidos a rudes tarefas.

Ramsés II ligava Pelusa a Heliópolis por uma cadeia de fortes. Todos os homens do Egito deviam fornecer um contingente de operários para aqueles trabalhos gigantescos. Os Beni-Israel estavam sobrecarregados dos mais pesados serviços. Eram sobretudo talhadores de pedra e britadores. Independentes e altivos, eles não se curvavam tão facilmente quanto os indígenas sob o bastão dos gendarmes egípcios, mas se revoltavam e às vezes revidavam os golpes. O sacerdote de Osíris não pôde evitar uma secreta simpatia por esses intratáveis “de cabeça empertigada”, cujos Anciãos, fiéis à tradição abrâmida, adoravam simplesmente o Deus único, que veneravam seus chefes, seus hags e seus zakens, mas resistiam ao jugo e protestavam contra a injustiça.

Um dia, ele viu um gendarme egípcio cobrir de golpes um hebreu indefeso. Seu coração vibrou e ele se lançou sobre o egípcio, arrancou-lhe a arma e o matou incontinenti. Este ato, cometido na efervescência de uma indignação generosa, decidiu sua vida. Os sacerdotes de Osíris que cometessem um assassinato eram severamente julgados pelo
colégio sacerdotal. O Faraó já supunha um usurpador no filho de sua irmã. A vida do escriba, portanto, estava por um fio. Ele preferiu exilar-se e impor-se a si mesmo à expiação.

Tudo o impelia para a solidão do deserto, para o vasto desconhecido – seu desejo, o pressentimento de sua missão e, acima de tudo, aquela voz interior, misteriosa, mas irresistível, que lhe disse em certas horas: Vai! É teu destino!”

Além do Mar Vermelho e da Península do Sinai, no país de Madiã, erguia-se um templo que não estava subordinado ao sacerdócio egípcio. Essa região se estendia como uma faixa verde entre o golfo elamítico e o deserto da Arábia. De longe, para além do braço do mar, percebiam-se as massas sombrias do Sinai e seu píncaro descoberto.

Encravado entre o deserto e o Mar Vermelho, protegido por um maciço vulcânico, aquele país isolado estava ao abrigo das invasões. O templo era consagrado a Osíris, mas ali se adorava também o Deus soberano, sob o nome de Eloim. Pois o santuário de origem etíope servia como centro religioso aos árabes, aos semitas e aos homens de raça negra que buscavam a iniciação.

Fazia séculos já que o Sinai e o Horeb eram o centro místico de um culto monoteísta. A grandeza nua e selvagem da montanha, erguendo-se completamente só entre o Egito e a Arábia, despertava a idéia do Deus único. Muitos semitas lá iam em peregrinação adorar
Eloim. Eles ficavam alguns dias jejuando e rezando nas cavernas e galerias cavadas nos flancos do Sinai. Antes, porém, se purificavam e se instruíam no templo de Madiã.

Foi nesse local que se refugiou Hosarsif.

O grande sacerdote de Madiã ou o Raguel. (vigia de Deus) chamava-se então Jetro(3). Era um homem de pele negra(4). Pertencia ao mais puro tipo da antiga raça etíope, que quatro ou cinco mil anos antes de Ramsés reinara no Egito e que não perdera suas tradições, as quais remontavam às mais velhas raças do globo. Jetro não era nem um inspirado, nem um homem de ação, mas um grande sábio. Possuía tesouros de ciência acumulados na memória e nas bibliotecas de pedra de seu templo. E, além disso, era o protetor dos homens do deserto: nômades líbios, árabes, semitas. Esses eternos errantes, sempre os mesmos, com sua vaga aspiração ao Deus único, representavam algo de imutável em meio dos cultos efêmeros e às civilizações decadentes.

Sentia-se neles como que a presença do Eterno, o memorial das eras longínquas, a grande reserva de Eloim. Jetro era o pai espiritual desses insubmissos, desses errantes, desses livres. Ele conhecia sua alma e pressentia seu destino.

Quando Hosarsif pediu-lhe asilo em nome de Osíris-Eloim, ele o recebeu de braços abertos. Talvez, imediatamente, tenha adivinhado naquele fugitivo o homem predestinado a tornar-se o profeta dos banidos, o condutor do povo de Deus.

Hosarsif quis, primeiro, submeter-se às expiações que a lei dos iniciados impunha aos assassinos. Quando um sacerdote de Osíris cometia um assassinato, mesmo involuntário, estava sujeito a perder o benefício de sua ressurreição antecipada “na luz de Osíris”, privilégio que obtivera mediante as provas da iniciação, e que o colocava muito acima do comum dos homens. Para expiar seu crime, para recuperar sua luz interior, ele devia submeter-se a provas mais cruéis, e ainda uma vez expor-se à morte. Após um longo jejum e por meio de certas beberagens, o paciente era mergulhado num sono letárgico, depois era depositado num túmulo do Templo, onde ficava dias, às vezes até semanas(5). Durante esse tempo ele viajaria para o Além, para o Erebe ou para a região de Amenti, onde flutuam as almas dos mortos que ainda não foram desligados da atmosfera terrestre.

Lá, ele deveria procurar sua vítima, sofrer suas angústias, obter seu perdão e ajudá-la a encontrar o caminho da luz. Somente então considerava-se expiado seu crime de morte, somente então seu corpo astral ficava limpo das nódoas negras que lhe deixavam o sopro envenenado e as imprecações da vítima. Porém, dessa viagem real ou imaginária, o culpado podia muito bem não voltar, e muitas vezes, quando os sacerdotes iam despertar o réu de seu sono letárgico, encontravam apenas um cadáver.

Hosarsif não hesitou em submeter-se a essa prova e a outras mais(6) . Sob a impressão do assassinato que cometera, havia compreendido o caráter imutável de certas leis de ordem moral e a profunda perturbação que sua infração deixara no fundo da consciência. Foi com inteira abnegação que ofereceu seu próprio ser em holocausto a Osíris, pedindo-lhe, se voltasse à luz terrestre, força para manifestar a lei da justiça. Quando Hosarsif saiu do sono temível no subterrâneo do templo de Madiã, sentiu-se um homem transformado. Seu passado estava como que desligado dele, o Egito deixara de ser sua pátria, e diante dele a imensidão do deserto, com seus nômades errantes, se estendia como um novo campo de ação. Ele avistou a montanha de Eloim no horizonte e, pela primeira vez, como uma tormenta que se pressentia nas nuvens escuras e espessas do Sinai, a idéia de sua missão perpassou-lhe o espírito: Formar com aquelas tribos instáveis um povo de combate que representasse a lei do Deus supremo em meio à idolatria dos cultos e anarquia das nações – um povo que transmitisse aos séculos futuros a verdade selada na arca de ouro da iniciação.
E naquele mesmo dia, para marcar a nova era que começava em sua vida, Hosarsif tomou o nome de Moisés, que significa: o Salvo.


(1). Primeiro nome egípcio de Moisés. (Maneton, citado por Filão).
(2). O relato bíblico (Êxodo II, 1-10) apresenta Moisés como um judeu da tribo de Levi recolhido pela filha do Faraó nos caniços no Nilo, onde a astúcia materna o havia colocado para comover a princesa e salvar a criança de uma perseguição idêntica à de Herodes. Ao contrário, Maneton, o sacerdote egípcio ao qual devemos as informações mais exatas sobre as dinastias dos Faraós, informações hoje confirmadas pelas inscrições dos monumentos, afirma que Moisés foi um sacerdote de Osíris. Estrabão que extraiu suas informações da mesma fonte, isto é, dos sacerdotes egípcios, confirma-o igualmente.

A fonte egípcia tem, aqui, mais valor do que a fonte judaica, pois os sacerdotes do Egito não tinham nenhum interesse em fazer os gregos ou romanos acreditarem que Moisés era um dos seus, enquanto que o amor próprio nacional dos judeus impunha-lhes fazer do fundador de sua nação um homem do mesmo sangue. O texto bíblico reconhece, aliás, que Moisés foi educado no Egito e enviado por seu governo como inspetor dos judeus de Gossen. Este é o fato importante, capital, que estabelece a filiação secreta entre a religião mosaica e a iniciação egípcia. Clemente de Alexandria acreditava que Moisés era profundamente iniciado na ciência do Egito e que, de fato, a obra do criador do Israel seria incompreensível sem ela.

(3). Êxodo, III,1.

(4). Mais tarde (Números, III, 1), após o êxodo, Aarão e Maria, irmão e irmã de Moisés, segundo a Bíblia, reprovaram-no por ter esposado uma mulher da Etiópia. Jetro, pai de Séfora, era portanto dessa raça.

(5). Viajantes de nosso século constataram que faquires hindus se fizeram enterrar após terem mergulhado em sono cataléptico, indicando o dia preciso em que deviam ser desenterrados. Um deles, após três semanas de amortalhamento, foi encontrado vivo, são e salvo.

(6). As sete filhas de Jetro citadas na Bíblia (Êxodo,II,16-20) evidentemente têm um sentido simbólico, como todo esse texto que nos chegou sob uma forma lendária e inteiramente popularizada. É mais do que inverossímil que o sacerdote de um grande templo fizesse suas filhas apascentar rebanhos, e que reduzisse um sacerdote egípcio ao papel de pastor.
As sete filhas de Jetro simbolizam as sete virtudes que o iniciado era forçado a conquistar para abrir o poço da verdade. Esse poço, na história de Agar e de Ismael, era denominado “o poço do Vivente que me vê”.


III

O SÉFER BERESCHIT

Moisés casou-se com Séfora, filha de Jetro, e permaneceu muitos anos junto do sábio de Madiã. Graças às tradições etíopes e caldeias que encontrou no templo, pôde completar e fazer uma revisão no que aprendera nos santuários egípcios, ampliar sua visão dos mais antigos ciclos da humanidade e projetá-las, por indução, para os horizontes longínquos do futuro. Foi na casa de Jetro que ele encontrou dois livros de cosmogonia mencionados no Gênese: As Guerras de Jeová e As Gerações de Adão. Entregou-se inteiramente ao estudo deles.

Para a obra que sonhava realizar era preciso envidar todos os reforços. Antes dele, Rama, Krishna, Hermes, Zoroastro, Fo-Hi haviam criado religiões para os povos; Moisés quis criar um povo para a religião eterna. Para esse projeto tão ousado, novo e colossal, era necessária uma base poderosa. Por isso Moisés escreveu o Séfer Bereschit, seu Livro de Princípios, síntese da ciência passada e quadro da ciência futura, chave dos mistérios, tocha dos iniciados, incentivo para a união de toda a nação.

Procuremos ver o que foi o Gênese no raciocínio de Moisés.

Certamente, naquela época, o Gênese irradiava uma outra luz, abrangia mundos mais vastos do que o mundo infantil e a pequena terra que nos aparecem na tradição grega dos Setenta, ou na tradição latina de São Jerônimo!

A exegese bíblica deste século difundiu a idéia de que o Gênese não é obra de Moisés, e até mesmo que esse profeta poderia muito bem não ter existido e não passar de um personagem lendário, fabricado quatro ou cinco séculos mais tarde pelo sacerdote judaico, para atribuir-se uma origem divina. A crítica moderna fundamenta esta opinião na circunstância de que o Gênese compõe-se de fragmentos diversos (eloísta e jeovista) costurados num conjunto, e que sua redação atual é posterior, pelo menos uns quatrocentos anos, à época em que Israel saiu do Egito. Os fatos estabelecidos pela crítica moderna, quanto à época da redação dos textos que possuímos, são exatos; as conclusões que deles tira são arbitrárias e ilógicas. Por os terem escrito, eloístas e jeovistas, quatrocentos anos após o Êxodo, não nos autoriza a concluir que tenham sido os inventores do Gênese e que não tenham trabalhado sobre um documento anterior, talvez mal compreendido.

O fato de o Pentateuco nos apresentar uma narrativa lendária na vida de Moisés não significa que nada contenha de verdadeiro. A missão do profeta explica-se reintegrada em seu meio natal: o templo solar de Mênfis. Enfim, o que há de mais profundo no Gênese somente se revela à luz dos princípios extraídos da iniciação de Ísis e de Osíris.

Uma religião não se constitui sem um iniciador. Os judeus, os Profetas, toda a história de Israel provam a existência de Moisés; mesmo Jesus não se concebe sem ele. Ora, o Gênese contém a essência da tradição mosaica. Ainda que ela tenha sofrido algumas transformações, a venerável múmia deve conter, sob a poeira dos séculos e as faixinhas sacerdotais, a idéia-mãe, o pensamento vivo, o testamento do profeta de Israel.

Israel gravita em torno de Moisés tão seguramente, tão fatalmente quanto a Terra gira em torno do Sol.

Mas, isto posto, outra coisa é saber quais foram as idéias-mães do Gênese, o que Moisés quis legar à posteridade nesse testamento secreto do Séfer Bereschit.

O problema, talvez, só pode ser resolvido sob o ponto de vista esotérico, e assim se coloca: a intelectualidade de Moisés, em sua qualidade de iniciado egípcio, devia estar à altura da ciência egípcia, que admitia, como a nossa, a imutabilidade das leis do Universo, o desenvolvimento dos mundos pela evolução gradual, e que tinha, além do mais, sobre a alma e a natureza invisível, noções extensas, precisas, lógicas. Se foi tal a ciência de Moisés e como não a teria tido o sacerdote de Osíris? – como conciliá-la com as idéias infantis do Gênese, sobre a criação do mundo e sobre a origem do homem?

Esta história da criação, que, tomada ao pé da letra, faz sorrir o escolar de nossos dias, não esconderia um profundo sentido simbólico, trazendo oculta uma chave para decifrá-lo? Este sentido, qual é ele ? Esta chave, onde encontrá-la?

A chave se acha: 1º no simbolismo egípcio; 2º no simbolismo de todas as religiões do antigo ciclo; 3º na síntese da doutrina dos iniciados, tal como resulta da comparação do ensino esotérico desde a Índia védica até os iniciados cristãos dos primeiros séculos.

Os sacerdotes do Egito, contam-nos os autores gregos, tinham três maneiras para exprimir seu pensamento. “A primeira era clara e simples, a segunda simbólica e figurada, a terceira sagrada e hieroglífica. A mesma palavra tomava, à vontade, o significado próprio, figurado ou transcendental. Era assim a flexibilidade de sua linguagem. Heráclito exprimiu perfeitamente essa diferença, designando-a pelos epítetos de falante, de significante e de ocultante(1).

Nas ciências teogônicas e cosmogônicas, os sacerdotes egípcios empregaram sempre a terceira maneira de escrever. Seus hieróglifos tinham, então, três sentidos correspondentes e distintos. Os dois últimos não podiam ser compreendidos sem chave. Essa maneira de escrever, enigmática e concentrada, apoiava-se num dogma fundamental da doutrina de Hermes, segundo o qual uma mesma lei rege o mundo natural, o mundo humano e o mundo divino. Esta linguagem, de uma concisão prodigiosa, ininteligível ao vulgo, possuía uma singular eloquência para o adepto; pois, por meio de um único sinal, ela evocava os princípios, as causas e os efeitos que da divindade irradiam na natureza cega, na consciência humana e no mundo dos puros espíritos.

Graças a essa escrita, o adepto abrangia os três mundos com um só olhar.

Não resta dúvida de que, dada a formação de Moisés, ele tenha escrito o Gênese em hieróglifos egípcios nos três sentidos. Confiou suas chaves e a explicação oral a seus sucessores. Quando, no tempo de Salomão, traduziu-se o Gênese em caracteres fenícios; quando, após o cativeiro de Babilônia, Esdras o redigiu em caracteres aramaico-caldaicos, o sacerdócio judeu já manejava essas chaves com bastante imperfeição.

Quando, finalmente, vieram os tradutores gregos da Bíblia, estes tinham somente uma pálida idéia do significado esotérico dos textos. São Jerônimo, malgrado suas sérias intenções e seu grande espírito, quando fez a tradução latina segundo o texto hebreu não pôde penetrar seu significado primitivo; e, se o conseguiu, viu-se obrigado a calar-se. Pois, quando lemos o Gênese em nossas traduções, percebemos apenas seu significado primário e inferior. Por bem ou por mal, os próprios exegetas e teólogos, ortodoxos ou livre-pensadores, só vêem o texto hebraico através da Vulgata. Escapa-lhes o sentido comparativo e superlativo, que é o sentido profundo e verdadeiro. Ele não se mantém menos misteriosamente dissimulado no texto hebreu que mergulha, por suas raízes, na linguagem sagrada dos templos. Esta linguagem em que cada vogal, cada consoante tinha um sentido universal em relação ao valor acústico da letra e o estado de alma do homem que a produz, foi refundida por Moisés. Para os intuitivos, este sentido profundo brota às vezes do texto, como uma centelha; para os videntes, ele reluz na estrutura fonética das palavras adotadas ou criadas por Moisés; sílabas mágicas onde o iniciado de Osíris vazou seu pensamento, como um metal sonoro num molde perfeito. Pelo estudo desse fonetismo que traz a marca da linguagem sagrada dos templos antigos, pelas chaves que nos fornece a Cabala, algumas das quais remontam a Moisés, enfim, pelo esoterismo comparado, hoje nos é permitido entrever e reconstituir o verdadeiro Gênese.

Assim, o pensamento de Moisés sairá brilhante como o ouro da fornalha dos séculos, das escórias de uma teologia primária e das cinzas da crítica negativa (2).

Dois exemplos esclarecem plenamente o que era a linguagem sagrada dos templos antigos, e como os três significados correspondem nos símbolos do Egito e nos do Gênese. Em inúmeros monumentos egípcios vê-se uma mulher coroada, segurando em uma das mãos a cruz anseada, símbolo da vida eterna, na outra um cetro com uma flor de Lótus, símbolo da iniciação. É a deusa ÍSIS. Ora, Ísis tem três significados diferentes. No significado próprio, ela representa a Mulher e, em consequência, o gênero feminino universal. No comparativo ela personifica o conjunto da natureza terrestre, com todos os seus poderes conceptivos. No superlativo, ela simboliza a natureza celeste e invisível, o elemento próprio das almas e dos espíritos, a luz espiritual e inteligível por si mesma, que sozinha confere a iniciação. O símbolo que corresponde a Ísis no texto do Gênese e na intelectualidade judaico-cristã é EVA, Heva, a Mulher eterna. Esta Eva não é somente a mulher de Adão, ela é ainda a esposa de Deus. Ela constitui os três quartos de sua essência. Pois o nome do Eterno IAVÉ que impropriamente mencionamos como Jeová e Javé, compõe-se do prefixo Jod e do nome Eva. O grande sacerdote de Jerusalém pronunciava uma vez por ano o nome divino enunciando-o, letra por letra, da seguinte maneira: Jod, ha, v, he. A primeira letra exprimia o pensamento divino (3) e as ciências teogônicas; as três letras do nome Eva exprimiam três ordens da natureza (4), os três mundos nos quais este pensamento se realiza e, consequentemente, as ciências cosmogônicas, psíquicas e físicas que a ele correspondem (5). O Inefável contém em seu seio profundo o Eterno masculino e o Eterno feminino. Seu poder e seu mistério provêm dessa união indissolúvel. Eis o que Moisés, inimigo figadal de toda imagem da divindade, não dizia ao povo, mas que simbolicamente consignou na estrutura do nome divino ao explicá-lo a seus adeptos. Assim, a natureza velada no culto judaico se esconde no próprio nome de Deus. A esposa de Adão, a mulher curiosa, culpada e encantadora, revela-nos suas afinidades profundas com a Ísis terrestre e divina, a mãe dos deuses que mostra no fundo do seio turbilhões de almas e de astros.

Outro exemplo: um personagem que desempenha um grande papel da história de Adão e Eva é a serpente. O Gênese a chama de Nahache. Ora, o que significava a serpente para os templos antigos? Os mistérios da Índia, do Egito e da Grécia respondem numa só voz: a serpente disposta em círculo significa a vida universal, cujo agente mágico é a luz astral. Num sentido mais profundo ainda, Nahache quer dizer: a força que põe esta vida em movimento, a atração recíproca, na qual Geoffroy Saint-Hilaire via a razão da gravitação universal. Os gregos chamavam-na Eros, Amor ou o Desejo.

Apliquemos agora esses dois sentidos à história de Adão e Eva e da serpente, e veremos que a queda do primeiro casal, o famoso pecado original, torna-se de repente a imensa espiral da natureza divina, universal, com seus reinos, seus gêneros, suas espécies no círculo formidável e fatal da vida.

Esses dois exemplos nos permitiram lançar um primeiro olhar nas profundezas do Gênese mosaico. Entrevemos já o que era a cosmogonia para um iniciado antigo e o que a distinguia de uma cosmogonia no sentido moderno.

Para a ciência moderna, a cosmogonia se reduz a uma cosmografia. Encontrar-se-á aí a descrição de uma porção do Universo visível com um estudo sobre o encadeamento das causas e dos efeitos físicos numa dada esfera. Será, por exemplo, o sistema do mundo de Laplace, onde a formação de nosso sistema solar é decifrada pelo seu funcionamento atual, deduzida da única matéria em movimento, o que é uma pura hipótese. Será ainda a história da Terra, de que são testemunhas irrefutáveis as camadas superpostas do solo. A ciência antiga não ignorava esse desenvolvimento do Universo visível e, se tinha sobre ele noções menos precisas do que a ciência moderna, formulara intuitivamente as leis gerais.

Mas, para os sábios da Índia e do Egito, lá estava somente o aspecto exterior do mundo, seu movimento reflexo. Eles procuravam a explicação em seu aspecto interior, em seu movimento direto e originário. Encontravam-na em uma outra ordem de leis que se revela à nossa inteligência. Para a ciência antiga o Universo ilimitado não era uma matéria morta regida por leis mecânicas, mas um todo vivo, dotado de inteligência, alma e vontade. Esse grande animal sagrado tinha inúmeros órgãos correspondentes às suas infinitas faculdades. Como no corpo humano os movimentos resultam da alma que pensa, da vontade que age, assim, aos olhos da ciência antiga, a ordem visível do Universo era somente a repercussão de uma ordem invisível, isto é, das forças cosmogônicas e das mônadas espirituais, reinos, gêneros, espécies, que, por sua perpétua involução na matéria, produzem a evolução da vida.

Enquanto a ciência moderna só considera o exterior, a aparência do Universo, a ciência dos tempos antigos tinha por fim revelar-lhe o interior, descobrir-lhe os mecanismos ocultos. Não extraía a inteligência da matéria, mas a matéria da inteligência. Não fazia nascer o Universo da dança cega dos átomos, mas gerava os átomos pelas vibrações da alma universal. Em resumo, procedia em círculos concêntricos do universal ao particular, do Invisível ao Visível, do Espírito puro à Substância organizada, de Deus ao homem. Esta ordem descendente das Forças e da Almas, inversamente proporcional à ordem ascendente da Vida e dos Corpos, era a ontologia ou a ciência dos princípios inteligíveis e constituía o fundamento da cosmogonia.

Todas as grandes iniciações da Índia, do Egito, da Judéia e da Grécia, as de Krishna, de Hermes, de Moisés e de Orfeu, conheceram sob formas diversas esta ordem dos princípios, dos poderes, das almas, das gerações que descendem da causa primeira, do Pai inefável.

A ordem descendente das encarnações é simultânea à ordem ascendente das vidas e somente aquela faz compreender esta. A involução produz a evolução e a explica.

Templo de Apolo

Na Grécia, os templos masculinos e dóricos, os de Júpiter e de Apolo, sobretudo o de Delfos, foram os únicos que possuíram a fundo a ordem descendente. Os templos jônicos e femininos não a conheceram, senão imperfeitamente. Toda a civilização grega sendo jônica, a ciência e a ordem dórica curvaram-se a ela cada vez mais. Mas não é menos incontestável que seus grandes iniciadores, seus heróis e seus filósofos, de Orfeu a Pitágoras, de Pitágoras a Platão e deste aos Alexandrinos dependem dessa ordem. Todos eles reconhecem Hermes como mestre.

Voltemos ao Gênese. No pensamento de Moisés, outro filho de Hermes, os dez primeiros capítulos do Gênese constituíam uma verdadeira ontologia segundo a ordem e a filiação dos princípios. Tudo o que começa deve acabar. O Gênese narra simultaneamente a evolução no tempo e a criação na eternidade, a única digna de Deus.

Reservo-me o direito de apresentar no Livro de Pitágoras um quadro vivo da teogonia e da cosmogonia esotérica em moldes menos abstratos do que o de Moisés e mais próximos do espírito moderno.

Templo de Apolo por fora

Apesar da forma politeísta, apesar da extrema diversidade dos símbolos, o sentido da cosmogonia pitagórica, de acordo com a iniciação órfica e os santuários de Apolo, será idêntica, no fundo, à do profeta de Israel.

Em Pitágoras, ela será como que esclarecida pelo seu complemento natural: a doutrina da alma e sua evolução. Ensinavam-na nos santuários gregos sob os símbolos do mito de Perséfone. Denominavam-na também: a história terrestre e celeste de Psiquê. Essa história, que corresponde ao que o Cristianismo chama a redenção, falta completamente no Antigo Testamento. Não que Moisés e os profetas a ignorassem, mas julgavam-na muito elevada para o ensino popular e reservaram-na para a tradição oral dos iniciados. A divina Psiquê ficará muito tempo oculta sob os símbolos herméticos de Israel, para se personificar apenas na aparição etérea e luminosa de Cristo.

Quanto à cosmogonia de Moisés, ela tem a áspera concisão do gênio semítico e a precisão matemática do gênio egípcio. O estilo da narrativa lembra as figuras que revestem o interior dos túmulos dos reis; diretas, secas, severas, elas encerram em sua dura nudez um mistério impenetrável. O conjunto faz pensar numa construção ciclópica; mas aqui e lá, como um jato de lava entre os blocos gigantes, o pensamento de Moisés irrompe com a impetuosidade do fogo inicial entre os versículos trêmulos dos tradutores. Nos primeiros capítulos de uma incomparável grandeza, sente-se passar o sopro de Eloim, que vira, uma a uma, as pesadas páginas do Universo.

Antes de deixá-los, consideremos alguns dos poderosos hieróglifos compostos pelo profeta do Sinai. Como a porta de um templo subterrâneo, cada um deles se abre para uma galeria de verdades ocultas que iluminam, com suas lâmpadas imóveis, a série dos mundos e dos tempos. Procuremos aí penetrar com as chaves da iniciação.

Esforcemo-nos para ver esses símbolos estranhos, essas fórmulas mágicas em seu poder evocador, tais como as viu o iniciado de Osíris, quando saíram em letras de fogo da fornalha de seu pensamento.

Em uma cripta do templo de Jetro, sentado sobre um sarcófago, Moisés medita sozinho. Muros e pilastras estão cobertos de hieróglifos e de pinturas que representam os nomes e as figuras dos Deuses de todos os povos da Terra. Aqueles símbolos resumem a história dos ciclos desaparecidos e predizem os ciclos futuros. Uma lâmpada colocada no chão ilumina fracamente cada um dos sinais que lhe falam em sua linguagem. E ele já não vê mais nada do mundo exterior.

Procura em si mesmo o Verbo e seu livro, a figura de sua obra, a Palavra que será a Ação. A lâmpada se extingue, mas, à sua visão interior, na noite da cripta, reluz este nome: IAVÉ.

A primeira letra – I – tem a cor branca da luz, as três outras brilham como um fogo cambiante onde passam todas as cores do arco-íris.

E que vida estranha nesses caracteres!

Na letra inicial, Moisés percebe o Princípio masculino, Osíris, o Espírito criador por excelência; em Eva, a faculdade conceptiva, a Ísis celeste, que dela faz parte. Assim, as faculdades divinas, que encerram em potência todos os mundos, desdobram-se e se organizam no seio de Deus.

Por sua união perfeita, o Pai e a Mãe inefável formam o Filho, o Verbo vivo que cria o Universo. Eis o mistério dos mistérios, fechado para os sentidos, mas que fala pelo sinal do Eterno como o Espírito fala ao Espírito. E o tetragrama sagrado brilha com urna luz sempre mais intensa. Moisés dela vê irromper, em grandes fulgurações, os três mundos, todos os reinos da natureza e a ordem sublime das ciências.

Então, o seu olhar ardente se concentra no signo masculino do Espírito criador. Invoca-o para penetrar na ordem das criações e haurir na vontade soberana a força para realizar sua própria criação, depois de ter contemplado a obra do Eterno.

E eis que nas trevas da cripta reluz outro nome divino: ELOIM. Eloim significa para o iniciado: Ele, – os Deuses, o Deus dos Deuses (6). Não é mais o Ser dobrado em si mesmo e no Absoluto, mas o Senhor dos mundos cujo pensamento desabrocha em milhões de estrelas, esferas móveis de universos flutuantes.

No princípio Deus criou os céus e a terra” Mas no início, estes céus foram apenas o pensamento do tempo e do espaço sem limites, habitados pelo vazio e pelo silêncio. “ o sopro de Deus se movia sobre a face do abismo.”(7)

O que vai sair primeiro de seu seio? Um sol? Uma terra? Uma nebulosa? Uma substância qualquer deste mundo visível? Não. O que nasceu primeiro dele foi Aur, a Luz. Esta luz, porém, não é a luz física, é a luz inteligível, nascida do estremecimento da Ísis celeste no seio do Infinito; alma universal, luz astral, substância que constitui as almas e na qual elas despontam como num fluído etéreo; elemento sutil pelo qual o pensamento se transmite a infinitas distâncias; luz divina, anterior e posterior à luz de todos os sóis. Primeiro ela se expande no Infinito, é o poderoso respir de Deus; depois ela volta sobre si mesma num movimento de amor, profundo aspir do Eterno. Nas ondas do divino éter, palpitam como sob um véu translúcido as formas astrais dos mundos e dos seres. E tudo isto se resume, para o Mago-Vidente, nas palavras que ele pronuncia e que reluzem nas trevas em caracteres cintilantes: RUAH ELOIM AUR (8).


Que a luz seja e a luz se fez.” O sopro de Eloim é a Luz!

Do seio dessa primitiva luz, imaterial, brotam os seis primeiros dias da Criação, isto é, as sementes, os princípios, as formas, as almas de vida de todas as coisas. É o Universo em potência, antes da palavra e segundo o Espírito. E qual é a última palavra da Criação, a fórmula que resume o Ser em ato, o Verbo vivo em quem aparece o pensamento primeiro e último do Ser absoluto? É: ADÃO EVA. Homem-Mulher. Este símbolo não representa de modo algum, como se ensina em nossas igrejas e como o creem nossos exegetas, o primeiro casal humano da terra, mas Deus em ato no Universo e o Gênero humano tipificado; a Humanidade universal através de todos os céus.

Deus criou o homem à sua imagem; e o criou macho e fêmea.” Este casal divino é o verbo universal pelo qual Ieva manifesta sua própria natureza através dos mundos. A esfera que ele habita primitivamente e que Moisés alcançou com o pensamento poderoso não é o jardim do Éden, o lendário paraíso terrestre, mas a esfera temporal, sem limites, de Zoroastro, a terra superior de Platão, o reino celeste universal, Heden, Hadama, substância de todas as terras.

Porém, qual será a evolução da Humanidade no tempo e no espaço? Moisés a percebe sob uma forma resumida na história da queda. No Gênese, Psiquê, a Alma humana, chama-se Aísha, outro nome de Eva(9). Sua pátria é Shamaim, o céu. Lá, ela vive feliz, no éter divino, mas inconsciente de si mesma. Ela desfruta o céu sem compreendê-lo. Pois para compreendê-lo, é preciso ter esquecido e depois lembrar; para amá-lo, é preciso tê-lo perdido e depois reconquistá-lo. Ela não saberá senão pelo sofrimento, não compreenderá senão pela queda. E que outra queda profunda e trágica senão a Bíblia infantil que lemos? Atraída para o abismo tenebroso pelo desejo do conhecimento, Aísha deixa-se cair... Deixa de ser a alma pura, um corpo sideral que vive do divino éter. Reveste-se de um corpo material e entra no círculo das gerações. E suas encarnações não são uma, mas cem, mil, em corpos cada vez mais grosseiros, conforme os astros que habita. Ela desce de mundo em mundo... desce e esquece... Um negro véu cobre sua visão interior: foi afogada a consciência divina, obscurecida a lembrança do céu na espessa trama da matéria. Pálida como uma esperança perdida, uma fraca recordação de sua antiga felicidade brilha nela! E, desta centelha, ela deveria renascer e regenerar-se por si mesma!

Sim, Aísha vive ainda nesse casal nu que jaz sem defesa numa terra selvagem, sob um céu inimigo, onde ruge a tempestade. E o paraíso perdido? – É a imensidão do céu velado, adiante e atrás!

Moisés contempla, assim, as gerações de Adão no Universo (10).

Considera em seguida os destinos do homem sobre a Terra. Vê os ciclos passados e o presente. Na Aísha terrestre, na alma da humanidade, a consciência de Deus havia brilhado outrora com o fogo de Agni, no país de Cuche, nas vertentes do Himalaia.

Mas, ei-la prestes a se extinguir na idolatria, sob infernais paixões, sob a tirania assíria, entre os povos inimigos e deuses que se entredevoram. Moisés jura a si mesmo despertá-la, instituindo o culto de Eloim.

A humanidade coletiva, como o homem individual, deveriam ser a imagem de Eva. Mas, onde encontrar o povo que a encarnasse e que seria o Verbo vivo na humanidade?

Então, Moisés, tendo concebido seu Livro e sua Obra, tendo sondado as trevas da alma humana, declara guerra à Eva terrestre, à natureza fraca e corrompida. Para combatê-la e reerguê-la, ele invoca o Espírito, o Fogo originário e todo-poderoso, Eva, de cuja fonte ele acaba de subir. Sente que seus eflúvios o envolvem e lhe transmitem uma têmpera de aço. Seu nome é Vontade.

E, no silêncio negro da cripta, Moisés ouve uma voz. Ela sai das profundezas de sua consciência, vibra como uma luz e diz: “Vai à montanha de Deus! Vai para Horeb!”

(1). Fabre d'Olivet, Vers dorés de Pythagore.

(2). O verdadeiro restaurador da cosmogonia de Moisés é um homem genial, hoje quase esquecido, e ao qual a França fará justiça no dia em que a ciência esotérica, que é a ciência integral e religiosa, for restabelecida em bases indestrutíveis. - Fabre d'Olivet não podia ser compreendido por seus contemporâneos, pois estava um século à frente de sua época. Espírito universal, possuía, no mesmo grau, três faculdades cuja união forma as inteligências transcendentais: a intuição, a análise e a síntese. Nascido às margens do Ganges (Hérault), em 1767, iniciou o estudo das doutrinas místicas do Oriente, após ter adquirido noções profundas das ciências, das filosofias e das literaturas do Ocidente. Court de Gébelin, por meio do seu Monde Primitif, abriu-lhe os primeiros horizontes sobre o sentido simbólico dos mitos da antiguidade e sobre a língua sagrada dos templos. Para se iniciar nas doutrinas do Oriente, ele aprendeu o chinês, o sânscrito, o árabe e o hebreu. Em 1815, publicou seu livro capital: La Langue Hébraique Restituée. Este livro contém: 1º Uma dissertação introdutória sobre a origem da palavra; 2º Uma gramática hebraica fundamentada em novos princípios; 3º As raízes hebraicas examinadas segundo a ciência etimológica; 4º Um discurso preliminar; 5º Uma tradução francesa e inglesa dos dez primeiros capítulos do Gênese, que contêm a cosmogonia de Moisés. Esta tradução é acompanhada de um comentário do maior interesse.

Aqui só é possível. resumir os princípios e a substância desse livro revelador. Ele foi inspirado pelo espírito esotérico mais profundo, e elaborado segundo o método científico mais rigoroso. O método do qual Fabre d'Olivet se utiliza para penetrar no significado íntimo do texto hebraico do Gênese é a comparação do hebreu com o árabe, o sírio, o aramaico e o caldeu, sob o ponto de vista das raízes primitivas e universais, das quais ele fornece um léxico admirável, apoiado em exemplos tomados de todas as línguas, léxico que pode servir de chave para os nomes sagrados em todos os povos. De todos os livros esotéricos sobre o Antigo Testamento, o de Olivet fornece as chaves mais seguras. Ele faz, além do mais, uma luminosa exposição da história da Bíblia, e mostra as razões aparentes de ter-se perdido o sentido oculto, e de ser ele, até nossos dias, profundamente ignorado pela ciência e pela teologia oficial.

Tendo falado desse livro, direi, agora, algumas palavras sobre outra obra mais recente que dele procede e que, além de seu mérito próprio, teve o de reconduzir a atenção de alguns pesquisadores independentes para seu primeiro inspirador. É a Mission des Juifs, de M. Saint-Yves d'Alveydre (1884, Calmann-Lévy). M. Saint-Yves deve sua iniciação filosófica aos livros de Fabre d'Olivet. Sua interpretação do Gênese é essencialmente a da Langue Hébraique Restituée, sua metafísica, a dos Vers Dorés de Pythagore, sua filosofia da história e o quadro geral de sua obra são emprestados à Histoire Philosophique Du Genre Humain. Retomando essas idéias-mães, ali juntando sua matéria e talhando-a à sua vontade, ele construiu um edifício novo, de grande riqueza, de um valor inigualável e de um gênero composto. Seu fim é duplo: provar que a ciência e a religião de Moisés constituíram a resultante necessária dos movimentos religiosos que o precederam na Ásia e no Egito, o que Fabre d'Olivet já havia trazido à luz em suas obras geniais; provar em seguida que o governo ternário e arbitral, composto dos três poderes-econômico, judiciário e religioso ou científico - foi em todos os tempos um corolário da doutrina dos iniciados e uma parte constitutiva das religiões do antigo ciclo, antes da Grécia. Tal é a idéia própria de M. Saint-Yves, idéia fecunda e digna da maior atenção. Ele o chama de sinarquia, ou governo segundo os princípios; ele aí encontra a lei social orgânica, a única salvação para o futuro. Aqui não é o lugar para se examinar até que ponto o autor demonstrou historicamente sua tese. M. Saint-Yves, não gosta de mencionar suas fontes; ele procede muitas vezes mediante simples afirmações e não teme as hipóteses arriscadas, quando elas favorecem sua idéia preconcebida. Mas seu livro, de uma rara elevação, de uma vasta ciência esotérica, transborda em páginas de grande alento, de quadros grandiosos, de visões profundas e novas. Minhas idéias diferem das suas em muitos pontos, notadamente no que se refere à concepção de Moisés, ao qual M. Saint-Yves deu, penso eu, proporções fortemente gigantescas e lendárias. Isto dito, apresso-me a reconhecer o alto valor desse livro extraordinário, ao qual muito devo. Seja qual for a opinião que se tenha da obra de M. Saint-Yves, ele tem um mérito diante do qual é preciso inclinar-se: o de uma vida inteiramente consagrada a uma idéia. Ver sua Mission des Souverains e sua France Vraie, onde M. Saint-Yves fez justiça, ainda que um pouco tarde e como que a contragosto, ao mestre Fabre d'Olivet.

(3). A natura naturans de Spinosa.

(4). A natura naturata do mesmo.

(5). Eis como Fabre d'Olivet explica o nome IAVÉ: “Este nome oferece primeiro o sinal indicador da vida, duplo e formando a raiz essencialmente viva EE(rπ ). Esta raiz jamais é empregada como nome e é a única que goza desta prerrogativa. Ela é, desde sua formação, não somente um verbo, mas um verbo único, do qual os outros são apenas derivados; em uma palavra, o verbo πτπ (EVA) ser sendo. Aqui, como se vê, e como tive o cuidado de explicar em minha gramática, o sinal inteligível τ(V), está no meio da raiz de vida. Moisés, tomando este verbo por excelência para com ele formar o nome próprio do Ser dos seres, a ele acrescentou o sinal da manifestação potencial e da Eternidade, (I), obtendo πτπ’ (IEVA), no qual o facultativo sendo se encontra colocado entre um passado sem origem e um futuro sem fim. Esse nome admirável significa, portanto, exatamente: o Ser que é, que foi e que será.
                                                                                 
(6). Eloim é o plural de Elo, nome dado ao ser supremo pelos hebreus e caldeus, derivado da raiz El que representa a elevação, a força e o poder expansivo e que significa Deus, num sentido universal. Hod, ou seja, Ele, é, em hebraico, em caldaico, em sírio, em etíope, em árabe, um dos nomes sagrados da divindade. - Fabre d'Olivet, La Langue Hébraique Restituée.

(7). – “Ruah Eloim, o sopro de Deus, indica figurativamente o movimento para a expansão, a dilatação. É, num sentido hieroglífico, a força oposta à das trevas. Se a palavra obscuridade caracteriza uma potência compressiva, ruah caracteriza uma potência expansiva. Encontrar-se-á, numa e noutra, esse sistema eterno de duas forças opostas que os sábios de todos os séculos, desde Parmênides e Pitágoras até Descartes e Newton, viram na natureza e designaram por nomes diferentes”. - Fabre d'Olivet, Langue Hébraique.

(8). Sopro,... Eloim,... Luz. Estes três nomes são o resumo hieroglífico do segundo e do terceiro versículo do Gênese. Eis em letras francesas o texto hebreu. do terceiro versículo: Wa, - iaômer Aelohim Iêhi-aûr, wa iehi aur. Eis a tradução dada por Fabre d'Olivet: “E Ele diz, Ele o Ser dos seres, será feita a luz; e a luz se fez” (elementização inteligível). - A palavra rua, que significa o sopro, encontra-se no segundo versículo. Notar-se-á que a palavra aur, significativa de luz, é a palavra rua invertida. O sopro divino, voltando-se sobre si mesmo, cria a luz inteligível.

(9). Gênese, II, 23. Aísha, a Alma, aqui assimilada à Mulher, é a esposa de Aísh, o Intelecto, que corresponde ao homem. Ela está presa a ele e constitui sua metade inseparável, sua faculdade volitiva. A mesma relação existe entre Dionísio e Perséfone, nos Mistérios árticos.

(10). Na versão samaritana da Bíblia, ao nome de Adão é acrescentado o epíteto de universal, de infinito. Trata-se, pois, do gênero humano, do reino do homem em todos os céus.



IV

A VISÃO DO SINAI


Uma sombria massa de granito, tão nua, tão abrupta sob o esplendor do Sol, que se diria sulcada por relâmpagos e esculpida pelo raio. Assim é o cume do Sinai, o trono de Eloim, dizem os filhos do deserto. Em frente, uma montanha mais baixa, os rochedos do Serbal, também abruptos e selvagens. Em seus flancos, minas de cobre, cavernas. E entre as duas montanhas, um vale negro, um caos de pedras, que os árabes chamam de Horeb, o Erebo da lenda semítica. É lúgubre a desolação desse vale, quando a noite aí cai com a sombra do Sinai, mais lúgubre ainda quando a montanha se cobre de um capacete de nuvens, de onde escapam clarões sinistros. Então, um vento terrível sopra no estreito corredor. Dizem que nesse lugar Eloim derruba aqueles que procuram lutar com ele e os lança nos abismos, de onde desmoronam trombas de chuva. Ali também, dizem os medianitas, vagam as sombras malfeitoras dos gigantes, dos Refaim, que fazem despencar os rochedos sobre os que tentam escalar o lugar santo. A tradição popular diz ainda que o Deus do Sinai aparece algumas vezes no fogo fulgurante, como uma cabeça de Medusa com penas de águia. Infeliz daquele que vê sua face. Vê-la é morrer.

Eis o que contavam os nômades, à noite, em suas narrativas sob a tenda, enquanto dormiam os camelos e as mulheres. A verdade é que só os mais audaciosos entre os iniciados de Jetro subiam à caverna do Serbal e ali passavam, às vezes, vários dias em jejum e oração. Sábios da Iduméia ali haviam encontrado sua inspiração. Era um lugar consagrado, desde tempos imemoriais, às visões sobrenaturais, a Eloim ou aos espíritos luminosos. Nenhum pastor, nenhum caçador jamais ousara conduzir algum peregrino até lá.

Moisés subira sem medo as ravinas de Horeb. Tinha atravessado com o coração intrépido o vale da morte e seu caos de rochedos. Como todo o esforço humano, a iniciação tem também suas fases de humildade e de orgulho. Escalando as diversas etapas da montanha santa, Moisés tinha alcançado o cume com orgulho, pois atingia o pináculo do poder humano. Acreditava já sentir-se um com o Ser supremo. O sol, de uma púrpura ardente, inclinava-se sobre o maciço vulcânico do Sinai as e sombras violetas se punham nos vales, quando Moisés chegou à entrada de uma caverna, protegida por uma vegetação negra de terebintos. Ele se apressava a nela penetrar, mas foi ofuscado por uma luz súbita que o envolveu. Pareceu-lhe que o solo queimava a seus pés e que as montanhas de granito tinham-se transformado em um mar de chamas. À entrada da gruta, uma aparição ofuscante de luz olhava-o e com o gládio barrava-lhe o caminho. Moisés caiu fulminado, a face contra o chão. Todo o seu orgulho tinha-se esvaído. Olhar luminoso do Anjo o transpassara. E depois, com esse sentido profundo das coisas que desperta o estado visionário, ele compreendera que aquele ser ia impor-lhe coisas terríveis. Ele quis escapar à sua missão e penetrar na terra como um réptil miserável.



Moisés e a sarça ardente

Uma voz, porém, disse:

– Moisés! Moisés!

E ele respondeu:

– Eis-me aqui!

– Não te aproximes daqui. Descalça teus sapatos, pois o lugar onde estás é uma terra santa.

Moisés cobriu os olhos com as mãos. Tinha medo de rever o Anjo e reencontrar-lhe o olhar.

E o Anjo lhe disse:

– Tu, que procuras Eloim, por que tremes diante de mim?

– Quem és tu?

– Um raio de Eloim, um anjo solar, um mensageiro d'Aquele que é e que será.

– O que me ordenas?

– Dirás aos filhos de Israel: o Eterno, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isac, o Deus de Jacó enviou-me até vós para arrancar-vos do país da servidão.

Ao que Moisés replicou:

– Quem sou eu para retirar do Egito os filhos de Israel?

O Anjo falou:

– Vai, pois estarei contigo. Colocarei o fogo de Eloim em teu coração e seu verbo em teus lábios. Há quarenta anos que tu o evocas. Tua voz repercutiu até ele. Eis aqui, tomo-te em seu nome. Filho de Eloim, tu me pertences para sempre.

E Moisés, afoito, exclamou:

– Mostra-me Eloim! Que eu veja seu fogo vivo!

E levantou a cabeça. Dissipara-se, porém, o mar de chamas e o Anjo desaparecera como um relâmpago. O sol descera sobre os vulcões extintos do Sinai; um silêncio de morte pairava no vale de Horeb; e uma voz, que parecia rolar no firmamento e perder-se no infinito, dizia: “Eu sou Aquele que sou”.

Moisés saiu dessa visão como que aniquilado. Pareceu-lhe, por um instante, que seu corpo havia sido consumido pelo fogo do Éter. Seu espírito, todavia, estava mais forte. Quando desceu para o templo de Jetro, estava preparado para sua obra. Sua idéia viva marchava em frente, como o Anjo armado do gládio de fogo.



V

O ÊXODO. O DESERTO. MAGIA E TEURGIA

O plano de Moisés era um dos mais extraordinários, dos mais ousados que um homem jamais concebeu. Arrancar um povo do jugo de uma nação tão poderosa quanto o Egito, conduzi-lo à conquista de um país ocupado por populações inimigas e melhor armadas, conduzi-lo durante dez, vinte ou quarenta anos pelo deserto, deixá-lo arder de sede e extenuar-se de fome; fustigá-lo como a um cavalo puro-sangue sob as flechas dos hititas e dos amalecitas, prontos a esquartejá-lo; isolá-lo com o tabernáculo do Eterno entre aquelas nações idólatras, impor-lhe o monoteísmo com uma vara de fogo e inspirar-lhe um tal temor, uma tal veneração por aquele Deus único, de modo que se entranhasse em sua carne, que se tornasse o símbolo nacional, o fim de todas as suas aspirações e sua razão de ser. Tal foi a obra inaudita de Moisés.

O Êxodo foi planejado e preparado de longa data pelo profeta, pelos principais chefes israelitas e por Jetro. Para pôr seu plano em execução, Moisés aproveitou um momento em que Meneftá, seu antigo companheiro de estudos, que se tornara faraó, devia repelir a temível invasão do rei dos líbios, Mermaiú. Todo o exército egípcio estava concentrado no Oeste e não pôde conter os hebreus e a emigração em massa se operou pacificamente.

Então, os Beni-Israel se puseram em marcha. A longa fila de caravanas, carregando as tendas no dorso de camelos, seguida de grandes rebanhos, apronta-se para contornar o mar Vermelho. No começo eram apenas alguns milhares de homens. Mais tarde, a emigração será aumentada por “toda a espécie de gentes” como diz a Bíblia – gananeus, edomitas, árabes, semitas de todo o gênero, atraídos e fascinados pelo profeta do deserto, que de todos os cantos do horizonte os convoca, para modelá-los à sua vontade. O núcleo desse povo é formado pelos Beni-Israel, homens direitos, mas duros, obstinados e rebeldes. Seus hahs ou chefes tinham-lhes, ensinado o culto de Deus único, que constituía entre eles uma elevada tradição patriarcal. Porém, naquelas naturezas primitivas e violentas, o monoteísmo não passava de uma consciência vacilante. Assim que as más paixões despertam, o instinto do politeísmo, tão natural no homem, readquire o predomínio. Então, eles recaem nas superstições populares, na bruxaria e nas práticas idólatras das populações vizinhas do Egito e da Fenícia, que Moisés vai combater com leis draconianas.

Ao redor do profeta que comanda esse povo há um grupo de sacerdotes presididos por Aarão, seu irmão pela iniciação, e pela profetisa Maria, que já representa em Israel a iniciação feminina. Esse grupo constitui o sacerdócio. Com eles, setenta chefes eleitos ou iniciados leigos comprimem-se em torno do profeta de Iavé, o qual lhes confiará sua doutrina secreta e sua tradição oral, que lhes transmitirá uma parte de seus poderes, associando-os, às vezes, a suas inspirações e suas visões.

Arca de ouro

No coração desse grupo era carregada a arca de ouro, idéia inspirada a Moisés pelos templos egípcios, onde servia de arcano para os livros teúrgicos, mas ele mandou refundir um modelo novo, para seus desígnios pessoais. A arca de Israel é flanqueada por quatro querubins de ouro semelhantes a esfinges e parecidos com os quatro animais simbólicos da visão de Ezequiel. Um tem cabeça de leão, o outro, cabeça de boi, o terceiro, cabeça de águia e o último, cabeça de homem. Personificam os quatro elementos universais: a terra, a água, o ar e o fogo, assim como os quatro mundos representados pelas letras do tetragrama divino. Com suas asas os querubins recobrem o propiciatório.

Esta arca será o instrumento dos fenômenos elétricos e luminosos produzidos pela magia do sacerdote de Osíris, fenômenos que, aumentados pela lenda, produzirão as narrativas bíblicas. A arca de ouro encerra, além do mais, o Séfer Bereschit ou livro de Cosmogonia redigido por Moisés em hieróglifos egípcios, e a varinha mágica do profeta, que a Bíblia chama vara. Ela conterá também o livro da aliança ou a lei do Sinai. Moisés denominará a arca de o trono de Eloim, porque nela repousa a tradição sagrada, a missão de Israel, a idéia de Iavé.

Qual foi a constituição política que Moisés deu a seu povo?

Para compreendê-lo é preciso citar uma das passagens mais curiosas do Êxodo. Passagem esta tanto mais antiga e mais autêntica porque nos mostra o lado fraco de Moisés, sua tendência ao orgulho sacerdotal e à tirania teocrática, reprimida por seu iniciador etíope.

“No dia seguinte, como Moisés estivesse sentado para julgar o povo, e o povo se mantivesse diante de Moisés da manha à noite, o sogro de Moisés, tendo visto o que ele fazia ao povo, disse-lhe: O que fazes ao povo? Por que só tu estás sentado e o povo se mantém diante de ti desde manhã até a noite?

E Moisés respondeu ao sogro: É que o povo vem a mim para inquirir de Deus. Quando têm alguma causa, vêm a mim; então eu julgo entre um e outro, e lhes faço entender as ordens de Deus e suas leis. Mas o sogro de Moisés disse: Não fazes bem. Certamente sucumbirás, tu e o povo que está contigo; pois isto é muito difícil para ti, e não saberás fazê-lo sozinho.

Escuta, pois, meu conselho; eu te aconselharei e Deus estará contigo. Sê para o povo o legado de Deus, e leva as causas a Deus; Instrui-os sobre as ordens e as leis, e faze-os ouvir a voz pela qual eles devem se orientar e saber o que terão de fazer; E escolhe entre todo o povo homens virtuosos, tementes a Deus, homens que verdadeiramente odeiem o ganho desonesto, e estabelece entre eles chefes de milheiros, chefes de centenas, chefes de cinquentenas e chefes de dezenas; E que eles julguem o povo sempre; mas que eles te tragam todas as grandes disputas e que julguem as pequenas causas. Assim, eles te aliviarão e suportarão uma parte da carga contigo.

Se fizeres isto, e Deus to ordena, tu poderás subsistir, e até todo o povo chegará felizmente a seu lugar.

Moisés, pois, obedeceu à palavra do sogro, e fez tudo o que ele havia dito”. (1)

Deduz-se desta passagem que, na constituição de Israel estabelecida por Moisés, o poder executivo era considerado como uma emanação do poder judiciário e colocado sob o controle da autoridade sacerdotal. Assim foi o governo legado por Moisés a seus sucessores, segundo o sábio conselho de Jetro. Permaneceu o mesmo na época dos Juizes, de Josué a Samuel, até a usurpação de Saul. Sob o poder dos Reis, o sacerdócio deprimido começou a perder a verdadeira tradição de Moisés, que sobreviveu apenas entre os profetas.

Moisés no Monte Sinai


Como já dissemos, Moisés não foi um patriota, mas um domador de povos, tendo em vista os destinos de toda a humanidade. Israel não era para ele senão um meio, a religião universal era a sua finalidade, e por cima da cabeça dos nômades seu pensamento ia para os tempos futuros. Desde a saída do Egito até a morte de Moisés a história de Israel não deixou de ser um longo duelo entre o profeta e seu povo.

Moisés recebeu os Dez Mandamentos

Moisés conduziu primeiro as tribos de Israel ao Sinai, no deserto árido, diante da montanha consagrada a Eloim por todos os semitas, onde ele mesmo tivera sua revelação. Lá onde o Gênio se apoderara do profeta, o profeta quis apoderar-se de seu povo e imprimir-lhe na fronte o selo de Iavé: os dez mandamentos, poderoso resumo da lei moral e complemento da verdade transcendental contida no livro hermético da arca.

Moisés ficou durante quarenta dias e quarenta noites no Monte Sinai, para enfim trazer as Tábuas que continha os Dez Mandamentos.

OS DEZ MANDAMENTOS – A Aliança de Deus

1. Amar a Deus sobre todas as coisas;
(“Não adorarás outro deus”; “Não terás outros deuses além de mim”)
2. Não fará para ti imagens esculpidas;
(“Não fará para ti deuses de metal fundido”)
3. Não te prostarás diante delas e não lhe prestarás culto;
4. Não pronunciarás em vão o nome do Senhor;
5. Recorda-te do dia de sábado para o santificar;
(“Seis dias trabalharás, mas no sétimo descansarás”)
6. Não matarás;
7. Não cometerás adultério;
8. Não roubarás;
(“Não furtarás”)
9. Não dirás falso testemunho contra teu próximo;
10. Não cobiçarás a mulher, a casa, os bens do teu próximo.

*No primeiro mandamento, palavras extraídas de várias bíblias (católica, evangélica, Jerusalém,...). Em outras bíblias os Dez Mandamentos são diferentes, em conformidade com o seu tempo e a sua nação...


Nada de mais trágico do que esse primeiro diálogo entre o profeta e seu povo. Lá se passaram cenas estranhas, sangrentas, terríveis, que deixaram como que a marca de um ferro quente na carne mortificada de Israel. Por detrás dos exageros da lenda bíblica, adivinha-se a possível realidade dos fatos.

A elite das tribos acampou no planalto de Farã, à entrada de uma garganta selvagem que conduz aos rochedos do Serbal. O cimo ameaçador do Sinai domina o terreno pedregoso, vulcânico, convulso.

Diante de toda a assembléia, Moisés anuncia, solenemente, que subirá à montanha para consultar Eloim e que, na volta, trará a lei escrita em uma tábua de pedra. Ordena ao povo que o aguarde em castidade e oração, velando e jejuando. Deixa a arca portátil que esconde a tenda do tabernáculo sob a guarda dos setenta Anciãos. Depois desaparece na garganta, levando consigo apenas o fiel discípulo Josué.

Passam-se os dias. Moisés não volta. No início o povo se inquieta, depois murmura: “Por que trazer-nos para este deserto horrível, expondo-nos às setas dos amalecitas? Moisés prometeu conduzir-nos à terra de Canaã, onde correm o leite e o mel, e eis que morremos no deserto. Valia mais a servidão no Egito do que esta vida miserável. Antes tivéssemos ainda os pratos de carne que comíamos lá! Se o Deus de Moisés é o verdadeiro Deus, que ele o prove, que todos os seus inimigos sejam dispersos e que nós entremos imediatamente na terra da promissão”. Os murmúrios aumentam; amotina-se o povo e os chefes aderem.

E eis que vem um grupo de mulheres, cochichando e murmurando entre si. São as filhas de Moab, de pele negra, corpos flexíveis, formas opulentas, concubinas ou servas de alguns chefes edomitas associados a Israel. Elas se lembram de que foram sacerdotisas de Astaroth e que celebraram as orgias da deusa nos bosques sagrados do país natal.

Enquanto isso Moisés recebia as placas com os Dez Mandamentos

Sentem que a hora de reassumir seu império chegou. Elas chegam enfeitadas de ouro e de tecidos esvoaçantes, o sorriso nos lábios, como um bando de belas serpentes que saem da terra e fazem reluzir ao sol suas formas ondulosas de reflexos metálicos. Misturam-se aos rebeldes, lançam-lhes seus olhares brilhantes, enlaçam-nos com os braços onde tilintam anéis de cobre e os adulam com sua linguagem dourada: “Quem é, afinal de contas, este sacerdote do Egito e seu Deus? Ele será morto no Sinai. Os refains já o terão lançado num abismo. Não será ele quem levará as tribos a Canaã. Então que os filhos de Israel invoquem os deuses de Moab: Belfegor e Astaroth! Estes, sim, são deuses que se pode ver e que fazem milagres! Eles poderão levá-los à terra de Canaã!”

Os amotinados escutam as mulheres moabitas, excitam-se e este grito parte da multidão: “Aarão, faz para nós deuses que marchem à nossa frente; pois ao Deus de Moisés, que nos fez sair do Egito, não sabemos o que aconteceu”.

Aarão tentou em vão acalmar a multidão. As filhas de Moab chamam os sacerdotes fenícios vindos com uma caravana. Eles carregam uma estátua de Astaroth, que colocam num altar de pedra. Os rebeldes forçam Aarão, sob ameaça de morte, a fundir o veado de ouro, uma das formas de Belfegor. Sacrificam touros e bodes aos deuses estrangeiros, põem-se a beber e a comer, e as danças luxuriosas, orientadas pelas moabitas, começam ao redor dos ídolos, ao som dos nebéis, dos quinores e dos tamborins agitados pelas mulheres.

Os setenta Anciãos eleitos por Moisés para guardar a arca tentam, em vão, deter a desordem por meio de suas exprobrações. Então, sentam-se no chão, cobrindo a cabeça com um saco de cinzas. Reunidos em torno do tabernáculo da arca, eles ouvem consternados os gritos selvagens, os cantos voluptuosos, as invocações aos deuses malditos, demônios de luxúria e de crueldade. Eles veem com horror o povo contorcer-se de alegria e de revolta contra seu Deus.

Moisés quebra a Tábua dos Dez Mandamentos

O que iria acontecer com a Arca, com o Livro e com Israel, se Moisés não voltasse mais? Entretanto, Moisés voltou. De seu longo recolhimento, de sua solidão no monte de Eloim, ele traz a Lei impressa em tábuas de pedra (2). Ao entrar no acampamento, vê as danças, a bacanal de seu povo em frente dos ídolos Astaroth e Belfegor.

À vista do sacerdote de Osíris, do profeta de Eloim, as danças param, os sacerdotes estrangeiros fogem, os rebeldes hesitam. A cólera ferve em Moisés como um fogo devorador. Ele quebra as tábuas de pedra e sente-se que ele quebraria do mesmo modo todo o povo, mas Deus o detém.



Israel treme, porém os rebeldes têm olhares de ódio dissimulados por seu medo. Uma palavra, um gesto de hesitação por parte do profeta-chefe, e a hidra da anarquia idólatra ergueria contra ele seus milhares de cabeças e expulsaria sob uma saraivada de pedras a arca santa, o profeta e sua idéia. Contudo, Moisés está lá, e por trás dele os poderes invisíveis que o protegem. Ele compreende que é preciso, antes de tudo, reabilitar a alma dos setenta eleitos e, por meio deles, todo o povo.

Invoca Eloim-Iavé, o Espírito varonil, o Princípio-Fogo, do fundo de si mesmo e do fundo do céu.

Moisés grita:

– Que venham a mim os setenta! Que eles tomem a arca e subam comigo à montanha de Deus. Quanto ao povo, que espere, e que trema. Vou trazer-lhe o julgamento de Eloim.

Os levitas tiram de baixo da tenda a arca de ouro envolta por véus, e o cortejo dos setenta desaparece com o profeta nos desfiladeiros do Sinai. Não se sabe quem treme mais, se os levitas, pelo que vão ver, ou o povo, pelo castigo que Moisés deixa suspenso sobre suas cabeças como uma espada invisível.

Ah! se fosse possível escapar às mãos terríveis desse sacerdote de Osíris, desse profeta da infelicidade! – dizem os rebeldes. E, apressadamente, a metade do acampamento dobra as tendas, sela os camelos e prepara-se para fugir. Mas, eis que um crepúsculo estranho, um véu de poeira se estende no céu; uma brisa rude sopra do mar Vermelho, o deserto adquire uma cor fulva e descorada, e por trás do Sinai amontoam-se grossas nuvens. Enfim, o céu torna-se negro.

Rajadas de vento trazem ondas de areia e relâmpagos fazem desabar em torrentes de chuva os turbilhões de nuvens que envolvem o Sinai. Logo brilha o raio e seu estrondo, repercutindo por todas as gargantas do maciço, rebenta sobre o acampamento em detonações sucessivas com um estrépito medonho. O povo não duvida de que seja a cólera de Eloim evocado por Moisés As filhas de Moab desapareceram.

Desmoronam-se os ídolos, os chefes se prostram, as crianças e as mulheres se escondem sob o ventre dos camelos. Isto dura toda uma noite, todo um dia. O raio cai sobre as tendas, matando homens e animais e o trovão ribomba sempre. À noite, acalma-se a tempestade, mas as nuvens ainda fumegam sobre o Sinai e o céu permanece negro. E eis que, à entrada do acampamento, reaparecem os setenta, com Moisés à frente. No vago clarão do crepúsculo, a fisionomia do profeta e a de seus eleitos
irradiam uma luz sobrenatural, como se eles trouxessem na face o reflexo de uma visão radiosa e sublime. Sobre a arca de ouro, sobre os querubins com asas de fogo, oscila um clarão elétrico, como um jato fosforescente. Diante desse espetáculo, os Anciãos e o povo, homens e mulheres, se prostram à distância.


Moisés clama:

– Aqueles que estão com o Eterno, venham a mim!

Três quartos dos chefes de Israel alinham-se ao redor de Moisés; os rebeldes escondem-se em suas tendas. Então, o profeta avança e ordena aos fiéis que passem ao fio da espada os instigadores da revolta e as sacerdotisas de Astaroth, a fim de que Israel trema para sempre diante de Eloim e se lembre da lei do Sinai e de seu primeiro mandamento:

– “Eu sou o Eterno, teu Deus, que te tirou do país do Egito, da casa da servidão. Não terás outro Deus diante de mim. Não esculpirás imagens nem qualquer outra coisa semelhante às que existem no alto dos céus, nas águas ou na terra”.

Foi por esse misto de terror e de mistério que Moisés impôs sua lei e seu culto ao povo. Era preciso imprimir a idéia de Iavé em letras de fogo em sua alma e, sem aquelas medidas implacáveis, o monoteísmo jamais teria triunfado sobre o avassalador politeísmo da Fenícia e de Babilônia.

Mas, o que tinham visto no Sinai os setenta? O Deuteronômio (XXXIII, 2) fala de uma visão colossal, de milhares de santos que apareceram, em meio à tempestade, sobre o Sinai, à luz de Iavé. Os sábios do antigo ciclo, os antigos iniciados dos árias, da Índia, da Pérsia e do Egito, todos os nobres filhos da Ásia, a terra de Deus, teriam vindo auxiliar Moisés em sua obra e exercer uma pressão decisiva sobre a consciência de seus associados?

As forças espirituais que velam sobre a humanidade estão sempre presentes, mas o véu que delas nos separa somente se descerra nas grandes horas e para os raros eleitos. Seja como for, Moisés transmitiu aos setenta o fogo divino e a energia de sua própria vontade. Eles foram o primeiro templo, antes daquele de Salomão: o templo vivo, em marcha, o coração de Israel, a luz real de Deus.

Pelas cenas do Sinai, pela execução em massa dos rebeldes, Moisés ganhou autoridade sobre os semitas nômades, que ele agora continha com mãos de ferro. Contudo, cenas análogas, seguidas de novos golpes de força, deveriam se repetir durante as marchas e contra-marchas rumo à terra de Canaã. Como Maomé, Moisés teve que ostentar, ao mesmo tempo, o gênio de um profeta, de um homem de guerra e de um organizador social. Lutou contra as lassitudes, as calúnias, as conspirações.

Depois da revolta popular, Moisés teve que abater o orgulho dos sacerdotes-levitas, que queriam igualar-se-lhe em função, e se consideravam, como ele, inspirados diretos do Iavé. Viu-se também obrigado a enfrentar as conspirações mais perigosas de alguns chefes ambiciosos como Coré, Datan e Abiram, que fomentaram a insurreição popular para derrubar o profeta e proclamar um rei, assim como fariam mais tarde os israelitas com Saul, apesar da resistência de Samuel.

Nessa luta, Moisés tem momentos de indignação e de piedade, ternuras de pai e rugidos de leão contra o povo que se debate sob a pressão de seu espírito e que apesar de tudo suportou-o. Disso encontramos o eco nos diálogos que a narrativa bíblica institui entre o profeta e seu Deus, diálogos que parecem revelar o que se passava no fundo de sua consciência.

No Pentateuco, Moisés triunfa sobre todos os obstáculos mediante os milagres mais inverossímeis. Jeová, concebido como um Deus pessoal, está sempre à sua disposição. Aparece sobre o tabernáculo como uma nuvem brilhante que se chama a glória do Senhor. Somente Moisés pode ali entrar; os profanos que se aproximam são feridos de morte. O tabernáculo de assinação, que contém a arca, desempenha na narrativa bíblica o papel de uma gigantesca bateria elétrica que uma vez carregada do fogo de Jeová fulmina massas humanas. Os filhos de Aarão, os duzentos e cinquenta adeptos de Coré e de Datan, enfim, quatorze mil homens do povo são mortos instantaneamente. Além disso, Moisés provoca, em hora marcada, um tremor de terra que traga os três chefes revoltados, com suas tendas e suas famílias. Esta última narrativa é de uma poesia terrível e grandiosa. Mas é pintada com tal exagero, com um caráter tão visivelmente lendário que seria pueril discutir-lhe a realidade. O que, acima de tudo, dá um caráter exótico a essas narrativas é o papel de Deus irascível e mutável que a ele empresta Jeová. Está sempre prestes a fulminar e a destruir, enquanto que Moisés representa a misericórdia e a sabedoria. Uma concepção tão infantil, tão contraditória da divindade não é menos estranha à consciência de um iniciado de Osíris que à de um Jesus. E, contudo, esses colossais exageros parecem provir de certos fenômenos devidos aos poderes mágicos de Moisés e que não são únicos na tradição dos templos antigos. É hora de dizermos o que se pode acreditar dos pretensos milagres de Moisés, sob o ponto de vista de uma teosofia racional e dos pontos elucidados da ciência oculta. A produção de fenômenos elétricos sob diversas formas, pela vontade de poderosos iniciados, não é atribuída somente a Moisés pela Antiguidade. A tradição caldaica atribuía-a aos magos; a tradição grega e latina, a alguns sacerdotes de Júpiter e Apolo (3)  Em tais casos os fenômenos são de ordem elétrica. Mas a eletricidade da atmosfera terrestre ali seria movimentada por uma força mais sutil e mais universal difundida por toda parte, e que os grandes adeptos estavam aptos a atrair, a concentrar e a projetar. Esta força é chamada akasa pelos brâmanes, princípio-fogo pelos magos da Caldéia, grande agente mágico pelos cabalistas da Idade-Média. Sob o ponto de vista da ciência poder-se-ia chamá-la força eterificada. Pode-se atraí-la diretamente, ou evocá-la por intermédio dos agentes invisíveis, conscientes ou semiconscientes, dos quais está repleta a atmosfera terrestre e que a vontade dos magos sabe dominar. Esta teoria nada tem de contrária a uma concepção racional do Universo, e é até indispensável para explicar uma quantidade imensa de fenômenos que, sem ela, permaneceriam incompreensíveis. Falta somente acrescentar que esses fenômenos são regidos por leis imutáveis e sempre proporcionais à força intelectual, moral e magnética do adepto. Anti-racional e antifilosófica seria a movimentação da causa primeira, de Deus, por um ser qualquer, ou a ação imediata desta causa por ele, o que levaria a uma identificação do indivíduo com Deus. O homem só se eleva relativamente a Deus pelo pensamento ou pela oração, pela ação ou pelo êxtase. E Deus só exerce sua boa ação no Universo indireta e hierarquicamente por meio das leis universais e imutáveis que exprimem seu pensamento, e através dos membros da humanidade terrestre e divina que o representam parcial e proporcionalmente do infinito do espaço e do tempo.

Aceitos esses princípios, acreditamos perfeitamente possível que Moisés, sustentado pelos poderes espirituais que o protegiam e manipulando a força eterificada com ciência consumada, tenha podido utilizar-se da arca como uma espécie de receptáculo, de catalisador, para a produção de fenômenos elétricos de caráter fulminante. Ele se isolava, com seus sacerdotes e confidentes, usando vestimentas de linho e perfumes que os defendiam das descargas do fogo etéreo. Mas esses fenômenos só podem ter sido raros e limitados. A lenda sacerdotal os exagerou. Foi suficiente para Moisés ferir de morte alguns chefes rebeldes ou alguns levitas desobedientes por uma projeção de fluído, para aterrorizar e domar todo o povo.

(1). Êxodo, XVIII, 13-24. A importância desta passagem sob o ponto de vista da constituição de Israel foi justamente salientada por M. Saint-Yves, em seu belo livro: La Mission des Juifs.

(2). Na Antigüidade, as coisas escritas em pedra eram consideradas as mais sagradas. O hierofante de Elêusis lia para os iniciados segundo as tábuas de pedra coisas que eles juravam não dizer para ninguém e que não encontravam escritas em nenhuma outra parte.

(3). Duas vezes um ataque ao templo de Delfos foi repelido nas mesmas circunstâncias. Em 480 a.C., as tropas de Xerxes o atacaram e recuaram apavoradas diante de uma tempestade, acompanhada de chamas que saíam do solo e da queda de grandes blocos de pedra (Heródoto). - Em 279 a.C., o templo foi atacado de novo por uma invasão de gauleses e de quínris. Delfos era defendido apenas por uma pequena tropa de focianos. Os bárbaros atacaram; no momento em que iam penetrar no templo, uma tempestade explodiu e os focianos derrotaram os gauleses. (Ver a bela narrativa de Amédée Thierry, na Histoire des Gaulois, livro II).


VI

A MORTE DE MOISÉS

Quando Moisés chegou com seu povo à entrada de Canaã, sentiu que sua obra estava terminada. O que era Iavé-Eloim para o Vidente do Sinai? A ordem divina de alto a baixo, através de todas as esferas do Universo e realizada na terra visível, à imagem das hierarquias celestes e da eterna verdade. Não, ele não havia contemplado em vão a face do Eterno, que se reflete em todos os mundos. O Livro estava na Arca, e a Arca, guardada por um povo forte, templo vivo do Senhor. O culto do Deus único estava fundado sobre a Terra; o nome de Iavé brilhava em letras chamejantes na consciência de Israel; os séculos poderão rolar suas ondas na alma mutável da humanidade, porém, não apagarão mais o nome do Eterno.

Moisés, tendo compreendido essas coisas, invocou o Anjo da Morte. Impôs as mãos sobre a cabeça do seu sucessor, Josué, diante do tabernáculo, a fim de que o Espírito de Deus descesse sobre ele, depois abençoou toda a humanidade através das doze tribos de Israel e escalou o monte Nebo, seguido somente de Josué e de dois levitas. Aarão já havia sido “recolhido junto de seus pais”, a profetisa Maria tomara o mesmo caminho. E o dia de Moisés tinha chegado.

Quais foram os pensamentos do profeta centenário, quando viu desaparecer o acampamento de Israel e subiu para a grande solidão de Eloim? O que teria sentido ele ao correr os olhos pela terra da promissão, de Galaad a Jericó, a cidade das palmas? Um verdadeiro poeta (1), pintando com maestria seu estado de alma, colocou-lhe nos lábios este grito:

Senhor, vivi poderoso e solitário,
Deixai-me adormecer no sono da terra!

Luca Signorelli e Bartolomeo della Gatta,
“Morte de Moisés”, 1482

Esses belos versos dizem mais sobre a alma de Moisés do que os comentários de uma centena de teólogos. Esta alma se assemelha à grande pirâmide de Gisé, maciça, nua, fechada por fora, mas que contém em seu interior os grandes mistérios e traz em seu centro um sarcófago, chamado pelos iniciados o sarcófago da ressurreição. Dali, por um corredor oblíquo se percebia a estrela polar. Assim também aquele espírito impenetrável, do centro de sua alma, olhava o destino final de todas as coisas.

Sim, todos os poderosos conheceram a solidão que cria a grandeza; mas Moisés foi mais solitário do que os outros, porque seu princípio foi mais absoluto, mais transcendental. Seu Deus foi o princípio masculino por excelência, o Espírito puro. Para impô-lo aos homens, precisou declarar guerra ao princípio feminino, à deusa Natureza, à Eva, à mulher eterna que vive na alma da Terra e no coração do Homem. Teve que combatê-la sem trégua e sem misericórdia, não para destruí-la, mas submetê-la e dominá-la. Não é de admirar que a Natureza e a Mulher, entre as quais reina um pacto misterioso, tremessem diante dele, e, consequentemente, se rejubilassem com sua partida e esperassem, para erguer a cabeça, que a sombra de Moisés deixasse de projetar sobre elas a sombra da morte.

Tais foram, sem dúvida, os pensamentos do vidente, enquanto subia o estéril monte Nebo. Os homens não podiam amá-lo, porque ele só tinha amado a Deus. Pelo menos sua obra viveria? Seu povo permaneceria fiel à sua missão? Ah! Fatal clarividência dos moribundos, dom trágico dos profetas que levanta todos os véus na hora derradeira! À medida que o espírito de Moisés se desligava da terra, ele vê a terrível realidade do futuro. Vê as traições de Israel, a anarquia imperando, a realeza sucedendo aos Juizes, os crimes dos reis conspurcando o templo do Senhor, seu livro mutilado, incompreendido, seu pensamento deturpado, rebaixado pelos sacerdotes ignorantes ou
hipócritas, as apostasias dos reis, o adultério de Judá com as nações idólatras, a pura tradição e a doutrina sagrada sufocadas, e os profetas, possuidores do verbo vivo, perseguidos até o fundo do deserto.

Sentado numa caverna do monte Nebo, Moisés vê tudo isso em si mesmo. Mas a Morte já estendia as asas sobre sua fronte e pousava a mão fria sobre seu coração. Então, aquele coração de leão tentou rugir ainda uma vez. Irritado contra seu povo, Moisés conclamou a vingança de Eloim. sobre a raça de Judá. Ergueu o braço pesado. Josué e os levitas, que o assistiam, ouviram com espanto estas palavras saírem da boca do profeta moribundo: “Israel traiu seu Deus. Que ele seja disperso aos quatro ventos do céu!”

*Será que é por isso que existem judeus no mundo todo?

Josué e os levitas olhavam com terror seu mestre, que não dava mais sinal de vida. Sua última palavra tinha sido uma maldição. Teria ele, com ela, exalado seu último suspiro? Porém, Moisés abriu os olhos ainda uma vez e disse:

“Voltai para Israel. Quando os tempos chegarem, o Eterno vos fará aparecer um profeta como eu entre vossos irmãos e colocará o verbo em sua boca, e esse profeta vos revelará tudo o que o Eterno lhe tiver ordenado. E o Eterno pedirá contas a quem não escutar as palavras que ele tiver dito”. (Deuteronômio, XVIII, 18,19).

Após essas palavras proféticas, Moisés entregou seu espírito. O Anjo solar com o gládio de fogo, que primeiro lhe apareceu no Sinai, esperava-o. Arrastou-o para o seio profundo da Ísis celestial, para as ondas daquela luz, que é a Esposa de Deus. Longe das regiões terrestres, eles atravessaram círculos de almas de um crescente esplendor.

Finalmente, o Anjo do Senhor mostrou-lhe um espírito de surpreendente beleza e de uma doçura celestial, mas de um brilho tal e de uma claridade tão fulgurante, junto da qual a sua parecia apenas uma sombra. Esse espírito não trazia o gládio do castigo, mas a palma do sacrifício e da vitória. Moisés compreendeu que ele completaria sua obra e conduziria os homens ao Pai, pelo poder do Eterno-Feminino, pela Graça divina e pelo Amor perfeito.

Então, o Legislador se prostrou diante do Redentor e Moisés adorou Jesus Cristo.

(1). Alfred de Vigny.

Segundo a bíblia, Moisés morreu sobre o Monte Nebo, com a idade de cento e vinte anos; que foi sepultado e que ninguém até agora sabe onde está a sua sepultura.


SEGUNDO A BÍBLIA

Durante 430 anos a família e os descendentes de Jacó permaneceram no Egito, transformando-se em um povo numeroso - o povo de ISRAEL (EX 12:40). Os egípcios, sentindo-se ameaçados, impunham-lhes pesados tributos através do trabalho gratuito ao Faraó.

Para evitar o aumento da população israelita, o Faraó Ramsés II, em torno de 1250 a.C., determinou a morte de seus filhos recém nascidos do sexo masculino.

Em outras palavras...

Este relato foi ornamentado pela mitologia rabínica por meio de outro relato concernente aos acontecimentos que antecederam o nascimento de Moisés. No sexagésimo ano após a morte de José, o Faraó teve num sonho a visão de um velho que segurava uma balança; todos os habitantes do Egito estavam num dos pratos, ao passo que no outro havia apenas um cordeiro lactente, o qual, entretanto, pesava mais do que todos os egípcios. O rei, alarmado, consultou de imediato os sábios e astrólogos, os quais disseram que o sonho assinalava o nascimento de um filho dos israelitas que destruiria todo o Egito. O rei, apavorado, logo ordenou a morte de todos os recém-nascidos dentre os israelitas por todo o país. Por causa desta ordem despótica, o levita Amram, que vivia em Goshem, decidiu afastar-se de sua mulher, de modo a que não destinasse a uma morte certa os filhos por ele gerados. Mas, mais tarde, sua filha Míriam opôs-se a esta decisão, que prenunciou profeticamente que seria justo a criança anunciada no sonho do rei proviria do ventre de sua mãe e se tornaria o libertador de seu povo. Amram, então, voltou para junto de sua mulher, de quem estava separado por três anos. Ao cabo de três meses, ela concebeu e deu em seguida deu à luz um menino, cujo nascimento envolveu toda a casa por um fulgor de extraordinária luminosidade, assinalando a veracidade da profecia.
Relatos similares são dados a respeito do nascimento do ancestral da nação hebraica, Abraão. Ele era filho de Terah - comandante de Nimrod - e Amtelai. Anteriormente a seu nascimento, fora revelado pelas estrelas ao rei Nemrod que a criança vindoura derrubaria os tronos de príncipes poderosos e tomaria posse de sua terras. O rei Nemrod tramou para que a criança fosse morta imediatamente após seu nascimento. Mas quando foi pedido a Terah que entregasse a criança, ela respondeu: "Sim, nasceu de mim um filho, mas ele morreu". Ele então entregou uma outra criança, ocultando seu próprio filho em uma caverna subterrânea, onde Deus propiciou-lhe que fosse amamentado com o leite de um dedo da mão direita. Conta-se que Abraão permaneceu nesta caverna até seu terceiro (décimo, segundo outros) ano de vida.

Na geração seguinte, na história de Isaac, comparecem os mesmos motivos mitológicos. Anteriormente a seu nascimento, o rei Abimelech foi advertido por um sonho a não tocar em Sarah, pois isto causaria seu infortúnio. Após um longo período de esterilidade, ela finalmente gerou um filho, o qual (mais tarde, segundo este relato), votado a sacrifício por seu próprio pai, Abraão, foi por fim salvo por Deus. Mas Abraão expulsou seu filho mais velho Ishmael, junto com Hagar, a mãe do menino.



O nascimento de Moisés é uma saga etimológica, para explicar o seu nome. Moisés significa "aquele que foi tirado". Seu nome, originalmente, seria Tutmoses, o que significaria 'filho de Tut'. Eles, certamente subtraíram o primeiro nome, por se identificar com um Deus pagão, e ficou apenas Moses, que deu MOSHE, em hebraico. Historicamente, quase nada consta de Moisés. Mas não há motivos para se negar sua existência.

Segundo a bíblia, foi Jocabel, mulher de Amram, neto de Levi, que deu á luz um menino e o amamentou por três meses. Temerosa de que os guardas o descobrissem arquitetou colocá-lo no rio Nilo, num cesto forrado e betume, á hora do banho da princesa Termútis, filha de Ramsés II (EX 2: 1-10). A princesa recolheu-o e adotou-o como filho.


Moisés no berço

Certamente Moisés foi um Espírito missionário de alta hierarquia, com uma difícil tarefa: libertar o povo hebreu do jugo egípicio e codificar as leis divinas de caráter universal (O Decálogo).

Educado em palácio, iniciado nos cultos herméticos dos faraós e sacerdotes, sempre se destacou por sua personalidade de liderança. Após um incidente com um guarda egípcio, Moisés mata-o, e tem de fugir. Vai para Madiã, ao sul da Palestina, onde se casa e passa 40 anos pastoreando, também aprendendo os caminhos do deserto.


Um dia, nas imediações do Monte Sinai, o mesmo onde anos mais tarde recebeu o Decálogo, Moisés ouviu um chamado á sua missão, quando Deus "lhe fala" do meio de uma sarça ardente (EX 3). Moisés, volta ao Egito com sua família (EX 4:18-20). Reinava, então, Menerphtah, filho de Ramsés II e, tendo seu irmão mais velho, Arão, como intérprete de sua vontade junto ao Faraó, pediu a liberdade de seu povo.

Depois de muitas dificuldades e pragas terríveis o Faraó, ainda assim, não concordou com sua saída (EX, caps. 7 a 11 ).



As Pragas
 

        São histórias estilizadas e artificiais. Quando os mais velhos foram contar para os mais novos a história da libertação do Egito, eles se quiseram mostrar muitas vezes a intervenção poderosa de Deus contra o inimigo e assim glosaram os fatos com situações fantasiosas. Que há aí de histórico? Cada fato tem relação com algum fenômeno acontecido, mas não na quantidade que a Bíblia relata. Eles transportaram tudo para um tempo determinado e deram uma significação e interpretação religiosa.

        Com relação à morte dos primogênitos, certamente durante o tempo em que os hebreus estiveram lá aconteceu a morte de um filho do Faraó e eles atribuíram também significação religiosa a este fato, como sendo um desígnio divino. Mas o que interessa não é o fato, e sim a interpretação do fato. Eles queriam convencer o leitor de que foi Deus quem fez tudo isso.

        A história das pragas evoluiu do tempo em que se passaram historicamente para o tempo em que foi escrita. Na água que se transformou em sangue está o melhor exemplo desta evolução: estão presentes as três tradições (Javista, Eloísta e Sacerdotal). Em Ex. 4,9, diz: 'pouco de água tirada num balde, com a ação de Moisés se transformou em sangue' (javista); em 7,17-19, diz que 'todo o Nilo se transformou em sangue'. É uma evolução da anterior (sacerdotal). A seguir, diz que 'todas as águas ficaram vermelhas'. Note-se nisto tudo uma constante evolução do fenômeno, certamente ocasionado pela tradição oral, antes das histórias serem escritas.



Face á não concordância do Faraó, o Senhor instituiu a Páscoa (EX, cap 12 ), na qual os hebreus deveriam marcar as ombreiras das portas com o sangue dos cordeiros imolados, assinalando sua presença para que os primogênitos não fôssem atingidos pela praga destruidora. Disse então o Faraó a Moisés: "Ide e servi o Senhor, como tendes dito" (EX 12:31).


Instituição da Páscoa (cap. 12)
 

        O autor retrojeta para o tempo de Moisés um rito pascal instituído depois do exílio, usado no templo de Jerusalém. O vers. 1 é a ligação. Será o primeiro mês do ano, isto porque até o tempo de Josias (séc VII) o ano começava no outono (outubro), igual ao calendário dos babilônios. Com o reinado de Josias, a festa foi mudada de data para a primavera, a fim de não se confundir com o culto da fertilidade, celebrado pelos pagãos no inicio do ano. A páscoa já existia mesmo antes dos cananeus.

        A origem da palavra 'páscoa' vem de "pashá", que significa coxear, mancar. Daí passou para pular, dançar, festejar, passar por cima, salvar. "O anjo de Deus saltou as casas dos hebreus para não lhes fazer mal." A festa dos ázimos também era pagã, mas era a festa agrícola correspondente à páscoa, que era pastoril. O caso de não comer pão com fermento é porque fermento é deterioração da matéria, sinal de impureza. Não se sabe como, depois eles juntaram as duas festas.

        O fato narrado em Ex 12,6 é uma alusão á saída do Egito, é um rito supersticioso e mágico dos nômades, para livrar de qualquer mal espírito as casas: pintar os umbrais com sangue. O autor coloca aí como se fosse na noite posterior às pragas, na noite da partida. Em 12,15, fala da festa dos ázimos. Na pressa da saída, não tiveram tempo de fermentar o pão. E manda comer pão assim por sete dias. Em 12, 27, há um rito que se cumpre ainda hoje na tradição dos hebreus: um menino pergunta ao pai, que conta toda a história. Fala da libertação, mas não como fato passado, e sim como se acontecesse com eles. Todas as vezes que celebravam uma libertação, eles referiam este fato.

        A passagem do Mar Vermelho é uma narração epopéica, enriquecida pela liturgia. O Cap.15 é o canto de Moisés, mas este canto não é exatamente dele. Fala de vitórias sobre os filisteus, os amalecitas, povos posteriores a ele. Foi feito por outro autor e atribuído a Moisés. A passagem 15, 20-21 é um texto muito antigo. Teria sido mesmo após a passagem do mar vermelho.

       



Inicia-se o ÊXODO (saída dos hebreus do Egito), mas, arrependendo-se, o Faraó persegue-os até as margens do Mar Vermelho (na região do Mar dos Juncos), onde os soldados egípcios são tragados pelo mar, depois da passagem de Moisés e seu povo.



Em 19,4 começa a narração da aliança. A arqueologia mostrou várias alianças entre reis antigos, parecidos com esta do Sinai, redigidas no mesmo esquema. A de Israel tem sua conotação própria, porque é com Deus. A insistência em trovões e relâmpagos talvez são fatos que provavelmente teriam acontecido o que é muito possível em região vulcânica como lá.

A Lei de Deus, ou Decálogo, é uma lei de todos os tempos e de todos os povos, e tem, por isso mesmo, um caráter divino. Todas as demais estabelecidas por Moisés, contidas no LEVÍTICO, NÚMEROS E DEUTERÔNOMIO (livros do Pentateuco), eram TRANSITÓRIAS, porque o grande legislador foi "obrigado a manter pelo temor um povo naturalmente turbulento e indisciplinado, no qual tinha que combater abusos arraigados e preconceitos adquiridos durante a servidão do Egito". Para dar autoridade ás suas leis, ele teve de lhes atribuir uma origem divina, como o fizeram todos os legisladores dos povos primitivos. A autoridade do homem devia apoiar-se na autoridade de Deus.


A Aliança
 

        A narração da entrega dos mandamentos é um esforço para colocar dentro da aliança o decálogo, uns preceitos imperativos e outros explicativos, uns mais antigos e outros mais recentes. Em parte vêm de Moisés, pois ele teria dado alguns princípios gerais para o governo do povo, e outros foram acrescentados, tirados de outros povos, preceitos conhecidos e adotados pelos povos vizinhos.

        Eis o esquema comum das alianças, que foi seguido pelos hebreus:

        l. introdução histórica
        2. proposta (mandamentos)
        3. pacto (compromisso)
        4. bênçãos e maldições
        5. sacrifício: a tábua é colocada no santuário de um deus.

        Este esquema era das alianças que ordinariamente se faziam naquela época. Como se vê, pouco ou nada há de diferente na esquematização da Aliança de Deus com Israel. Até a conservação das tábuas houve também.

        A introdução (19,3-19) é de origem sacerdotal. 3-6 é o discurso de Deus como introdução à Aliança; 7-15 é a preparação da vinda de Deus para onde está o povo; 16-19 é uma teofania (aparição de Deus na tempestade). O vers 20 é uma repetição disto tudo, originária de outra tradição. A seguir, a narração é interrompida para que sejam intercalados os mandamentos. O decálogo está em 20, 1-17. É um código de leis bastante antigo, muito inspirado em Hamurabi.

        As tempestades a que se refere o cap. 19 são teofanias e constam nas tradições Javista, Eloísta e Deuteronômica. Para os antigos, relâmpagos e trovões eram manifestações de Deus. Os exegetas não negam que possa ser a narração de um fato natural da época. No seu discurso, Deus faz questão de dizer "toda a terra é minha", para que o povo não pense numa religião nacionalista, mas universal. "Reino de Sacerdotes", porque no mundo de Javé todos são mediadores; "nação santa", ou seja, em hebraico 'kadosh' = separada. A "nuvem" é a presença de Deus, e o "som da trombeta" é um modo de descrever o ruído do trovão. O povo não vê Deus, vê apenas os sinais.

        O vers.22 é da lei de talião. É muito rigorosa, em relação ao Evangelho, mas é um grande progresso comparada às leis mais antigas. O cap. 24 é quase todo de origem eloista. Tem algo de sacerdotal. Vers 3 é um compromisso do povo; vers. 5 é o holocausto, vítima pacífica. A seguir, a aspersão do povo com o sangue, para consumar a aliança. JC na instituição da eucaristia faz alusão às palavras de Moisés. O vers 11 é o mesmo sacrifício, descrito na tradição javista.

        Os hebreus nem sempre entenderam bem o sentido da aliança. O seu significado foi dado pelos profetas, mais tarde, acentuando não tanto o contrato jurídico, mas o relacionamento pessoal de Deus, acompanhando-os no deserto.

 

Os Mandamentos
 

        Um problema que sempre perturbou os hebreus foi eles distinguirem o Deus verdadeiro da imagem de Deus. Se Moisés deixasse o povo fazer imagens, eles a adorariam como Deus. Foi preciso muito tempo para que eles chegassem a uma concepção abstrata da divindade. O "Deus que ninguém vê" era um problema sério, e por isso eles caíram muitas vezes em idolatria. Dai a séria proibição na Bíblia de se fazerem imagens.

        O Decálogo católico é uma adaptação. Nele está modificado o 6o. mandamento. Na Bíblia diz: "não cometer adultério", e no catecismo diz: 'não pecar contra a castidade'; também os 9 e 10 mandamentos na Bíblia são um só, e no catecismo está dividido. Esta distinção foi precisa para se completarem os dez, porque eles suprimiram o que proibia a fabricação de imagens, e isto sempre foi causa de polêmica com os protestantes.

        Aqui está a discriminação dos mandamentos na Bíblia (cap. 20):

        1o. mandamento = vers 3 - (Não terás outros deuses diante de mim.)
        2o. mandamento = vers 4 a 6 - (Não farás para ti imagem esculpida... não te prostrarás diante destes deuses e não os servirás...)
        3o. mandamento = vers 7 - (Não pronunciarás em vão o nome do teu Deus)
        4o. mandamento = vers 8 a 11 - (Trabalharás durante seis dias... o sétimo dia é o sábado de Javé)
        5o. mandamento = vers 12 - (Honra teu pai e tua mãe)
        6o. mandamento = vers 13 - (Não matarás)
        7o. mandamento = vers 14  - (Não cometerás adultério)
        8o. mandamento = vers 15 - (Não roubarás)
        9o. mandamento = vers 16 - (Não apresentarás um falso testemunho contra o próximo)
        10o.mandamento = vers 17 - (Não cobiçarás a casa do próximo, nem sua mulher, nem seu escravo, nem sua escrava, nem seu boi, seu jumento nem coisa alguma que lhe pertença.


Míriam, assim como qualquer ser humano, não era perfeita. Ousada nas palavras e nos atos é humana tanto em suas virtudes como em suas fraquezas. Míriam amava o irmão. Além de ter dons proféticos, era uma mulher bondosa, generosa, devotada a seus irmãos e a seu povo.E ela via Moisés muito só, isolado de seu povo. Ao saber que havia se separado fisicamente de sua esposa, Miriam procura Aarão preocupada. Diz-lhe que os patriarcas e outros profetas não se separavam das mulheres, por que então o faria Moisés?

Apesar de suas palavras não conterem malícia, mas apenas preocupação, o próprio Eterno repreende Aarão e Míriam duramente, afirmando que o nível de profecia de Moisés era diferente de todos os outros que o antecederam. Depois de receber a Torá no Monte Sinai, Moisés não poderia voltar a viver uma existência física e material.

Ramban observa que Míriam só murmurou discretamente para seu outro irmão e mesmo assim foi severamente punida por ter falado de Moisés: “E a nuvem retirou-se de sobre a tenda, e eis que Míriam estava leprosa, branca como a neve; e olhou Aarão a Míriam, e eis que estava leprosa” (Números 12,10).

Apesar de estar passando um dos momentos mais difíceis de sua vida, Moisés intercede pela irmã e pede a D’us que a cure. D’us concorda e ordena que Míriam permaneça sete dias fora do acampamento, isolada, mas afirma que Ele mesmo vai cuidar dela ”D’us a puniu, Ele a fez adoecer e Ele a sarou”.

“E Míriam foi deixada fora do acampamento, durante sete dias e o povo não partiu até ela ser recolhida” (Números 12:15). O povo, em lealdade profunda por sua líder, esperou por ela, assim como ela havia esperado na margem do rio Nilo para ver o que iria acontecer com o pequeno Moises.

No quadragésimo ano da saída, no mês de Nissan, no deserto em Cadesh, Míriam estava com 125 anos: “... e morreu ali Míriam, e foi sepultada ali” (Números 20,1). Uma morte sem dor concedida por D´us pelos seus grandes méritos. Logo após sua morte a Torá diz:

“... e a congregação já não tinha mais água” (Números 20:2). A fonte milagrosa que providenciara água sem interrupção durante 40 anos desaparece após sua morte. Os hebreus, sedentos, voltam a se queixar.

Rashi analisa o impacto da morte de Míriam sobre o irmão para tentar explicar os eventos que levam Moisés a não obedecer as Ordens Divinas. Segundo Rashi, a conexão entre Moisés e a irmã era muito forte, pois ela havia moldado sua vida. Ela sempre estivera a seu ao lado - vigiando-o enquanto criança e exultando e cantando com ele após a travessia do Mar Vermelho.

Mesmo nas horas mais difíceis, Míriam nunca perdeu as esperanças de que um dia Moisés libertaria Israel da escravidão. Foi ela quem tornou a redenção possível por nunca ter desistido de sua visão. Quando Míriam morre, Moisés sente-se perdido, exausto, incapaz de suportar pacientemente as queixas e lamú- rias de seu povo e não consegue controlar sua ira. E, então, comete o erro que faz com que não lhe seja permitido entrar na Terra de Israel.

Bibliografia:
Munk, Rabbi Elie, The Call of the Torah
Weissman, Rabbi Moshe,
The Midrash Says




Enfim, Moisés, depois de tirar o povo escravizado do Egito pelo deserto, e durante quarenta anos permanecerem no deserto, finalmente chegam a Palestina e/ou “Terra Prometida”. E isso é descrito em “seus livros” – “Êxodo, Levítico e Números”, que compõem o Pentateuco.





PENTATEUCO

A autoria de todos os “Cinco Livros” (Pentateuco), costuma ser atribuída à Moisés.


Pentateuco” (palavra portuguesa), nome originado, conforme pesquisadores, do desejo de obter cópias manejáveis desse grande volume, fazendo com que se dividisse seu texto em cinco rolos de tamanho similar, provindo daí, a denominação que lhe foi dado nos círculos de língua grega (dos Fenícios): “he pentateuchos” (subentendido “biblos” = livros), “O livro em cinco volumes”, posteriormente, transcrito em latim como ‘Pentateuchus” (subentendido “Liber” = livros), donde a expressão portuguesa “Pentateuco”. Tendo, tal divisão, sido atestada, antes de nossa era, pela versão grega dos “Setenta” (70), ou seja, trata-se do conjunto dos cinco (5) primeiros livros da bíblia, (possivelmente, trazidos da Babilônia por Esdras) denominados pelos judeus de “Lei”, ou Torá (Bíblia, fundamento da religião judaica; seu livro canônico, por excelência; sua Lei; Reguladora da vida moral, social e religiosa desse povo). Os “títulos” de cada um desses “livros”, foram dados, segundo seu conteúdo, assim sendo, são os seguintes:

1. Gênesis (Por tratar-se das origens do mundo) – Divide-se em duas partes desiguais, sendo a primeira, um relato da criação do universo, do homem, e, de tudo que era necessário; o relato da queda original e suas consequências,...a perversidade crescente,...a destruição pelo dilúvio, a primeira “Aliança” que Deus faz com a humanidade, através de Noé (o Profeta justo), ocorre o repovoamento da terra, e,...genealogias, culminando, ao chamado  “Pai do povo eleito”, o Profeta Abraão (Profeta da Fé). E, a segunda parte, relata  – através das histórias dos Patriarcas – a Fé, a Confiança e, principalmente, a Obediência dos “grandes ancestrais”, recompensada por Deus, com a “Renovação da Aliança”, através da “Circuncisão”, além da promessa à Abraão, de posteridade para ele, e, para seus descendentes – (Os “doze” filhos de Jacó [Profeta das Habilidades, porém, escolhido “desde antes do nascimento”, com quem Deus “Renovou a promessa da Aliança” concedida à Abraão, seu avô], são os ancestrais das “Tribos de Israel”) -  a “Terra Santa”. No entanto, se encerra, enfatizando José (o homem da Sabedoria), que no relato de sua vida, torna evidente a recompensa pela virtude do sábio;...

Resumindo, o Gênesis, traduz com expressões abstratas, mas, talvez adequada a “mente do povo daquela época”, ou ainda, oculta, à ser desvelada pelos que tivessem ou adquirissem o “Dom da Ciência”, a origem dos seres (até o cap. 11), enunciados num estilo que mistura o simples com o figurado, clara nas advertências fundamentais, imprescindíveis, para se entender a necessidade da salvação; na intervenção especial de Deus para formar o homem e a mulher; a unidade do gênero humano; o pecado dos primeiros pais, a ruína e as penas hereditárias que constituíram sua sanção;...profundo, rico e belo texto, com “vestes míticas”,...tal como convinha ao inspirado que escreveu.

2. Êxodo (Por tratar-se da saída do Egito) – Neste livro, iniciam-se narrativas da vida de Moisés, continuando nos dois livros seguintes (Levítico e Números); relato da formação do povo eleito, bem como, o início da “travessia no deserto” (com duração de 40 anos), e, o estabelecimento de sua lei social (“Sinarquia”) e religiosa (Javismo). No Êxodo, há dois “temas” principais, descritos: a libertação do povo do Egito (israelitas escravizados pelos Faraós) e o “recebimento da Revelação do nome Iahweh” (“Eu sou quem sou”), na “Montanha de Deus”, e a “Nova Aliança”, no “Deserto do Sinai”, isto é, “As Tábuas da Lei” (Os Dez Mandamentos – um “Código de conduta”). Relata a “Vocação de Moisés”, o tornando “Iniciador da Religião; Legislador; Formador; Condutor;...” do povo escolhido. Descreve, também, o caráter tolerante e condescendente de Deus, perdoando – mais uma vez -  a “traição” (neste caso, a adoração do bezerro de ouro);...
Acredita-se que a “partida do povo do Egito”, tenha se dado entre  1290-1224 a.C.; pois que, de acordo com um trecho do Êxodo (Cap. 1-11), os hebreus trabalharam na construção das cidades-entrepostos de Piton e Ramsés. Conclui-se daí, que o êxodo é, pois, posterior à Ramsés II, que fundou a cidade de Ramsés, tendo iniciado a construção no início de seu reinado, e, terminado, cerca de 1250 a.C.
Com o tempo, constatou-se que o “Código da Aliança”, contem semelhanças com os “Códigos da Mesopotâmia”, na coleção das Leis Assírias ou no “Código dos Hititas”;...além de outros “Códigos do Oriente Antigo”, parecendo tratar-se um bem comum aos povos do Oriente Médio. Daí, concluindo que o “Decálogo” (As Dez Palavras; Os Dez Mandamentos) não era criação mosaica, sendo este tão somente um “Instrumento Divino”;...

3. Levítico (Por tratar-se da “Lei dos Sacerdotes”, da tribo de Levi) – Interrompendo a narrativa da “marcha sobre o deserto”, este livro, possui um caráter, basicamente, ou quase exclusivamente,  Legislativo”, relatando normas, regras, oferendas, sacrifícios, rituais, bençãos, maldições,...que viabilizavam a “Lei da Santidade”; enfim, determina as condições de “resgate” das pessoas, animais e tudo que for consagrado à Iahweh (Leis Cultuais ou Rituais);...
Acredita-se, muitas destas leis, terem origem em povos nômades.

4. Números (Por iniciar-se com recenseamentos) – Num retorno a “marcha pelo deserto”, este livro vai tratar das providências tomadas para “partida do Monte Sinai” (Montanha Santa). Narra algumas tentativas frustradas, os conflitos, culminado no estabelecimento de duas tribos (Gad e Rúben) na Transjordânia (talvez, cerca de 1225 a.C.), mas, as (outras tribos) que restam, preparam-se para o estabelecimento em Canaã (considerado o início da “Idade de Ferro”).

5. Deuteronômio, de acordo com uma interpretação grega “Segunda Lei” (Acredita-se, por tratar-se de uma interpretação e reforma – através de “Leis civis e religiosas” – que partem de um longo discurso de Moisés) – O conteúdo deste livro, considera-se possuir uma “estrutura particular”, onde, misturam-se, “vários dicursos de Moisés”, recordando os “Grandes acontecimentos” do êxodo, as “Leis promulgadas no deserto”, porém, intercalados de “Códigos de Leis reformadoras” (perdão de dívidas, estatutos dos escravos,...); também de trechos sobre a vida de Moisés, isto é, sua missão, seus cânticos, suas bençãos e seu fim (sua morte). Também, relata a “Missão de Josué”. Salientam, sobretudo, seu sentido religioso,...exortando, principalmente, à Fidelidade (“...Deus, por puro beneplácito, escolheu Israel como seu povo, mas esta eleição e o pacto que a sanciona  têm como condição a fidelidade de Israel, à lei de seu Deus e ao culto legítimo, que lhe deve prestar num Santuário único”). Aliás, eis aqui, a nítida diferença desse “livro”, enquanto no Êxodo, baseando-se no “Código da Aliança”, havia legitimado a multiplicidade de Santuários, em Deuteronômio, é imposta a Lei da unidade  do lugar de culto. O que acarreta modificações em algumas regras anteriores (sacrifícios, dízimos, festas,...), e, as “fontes” de tais idéias “revolucionárias”, são “desconhecidas”.


NOTA: A autoria de todos os “Cinco Livros” (Pentateuco), costuma ser atribuída à Moisés, e admitida tradicionalmente, embora, jamais confirmada pelas tradições antigas. No entanto, alguns pesquisadores, através de estudos das formas literárias e das tradições, orais ou escritas, que precederam a redação das fontes atribuídas, constataram conterem elementos muito mais antigos, tendo estes, sido respaldados, posteriormente, pela descoberta – arqueológica - “das literaturas mortas (idiomas perdidos,...)” do Oriente Médio, além do progresso (das conclusões) da história no conhecimento das civilizações vizinhas à Israel. Demonstrando que as tradições eram guardadas e conservadas em Santuários, ou eram transmitidas por “narradores populares”, e, que podem ter sido agrupadas em ciclos, para depois serem sintetizadas e redigidas por alguém capacitado à isso. Até porque, notaram que o Pentateuco, apresenta “fatores”, que mostram ter sido revisado, recebido complemento, combinados entre si, sendo, por isso, respeitado como, “momentos privilegiados de uma longa evolução”, considerando tratar-se de pontos de cristalização das correntes de tradições que se originaram em diversas civilizações, culturas,...e, a pluralidade dessas correntes, são fatos evidenciados pelas diferenças de estilo, desordem de relatos, duplicatas, repetições, discordâncias,...por exemplo, dois relatos da criação, duas expulsão de Agar,  duas genealogias de Caim-Cainã, dois relatos combinados do dilúvio, quatro calendários litúrgicos,...e, por aí vai,...

Segundo informações contidas na “Introdução do Pentateuco”, da Bíblia de Jerusalém, uma teoria (Século XIX), conseguiu impor-se, após longas hesitações, aos críticos – pela influência dos trabalhos de Graf e de Wellhausen - , à de que o “Pentateuco” seria a compilação de quatro documentos, diferentes quanto à idade, e ao ambiente de origem, mas todos eles muito posteriores à Moisés. Teria havido, portanto, primeiramente,  duas obras narrativas:  o Javista (J), – escrito no século IX, em Judá, talvez no reinado de Salomão - que desde o relato da criação (no Gênesis), usa o termo “Iahweh” (Javé), com o qual Deus se revelou à Moisés, e o Eloísta (E), - escrito pouco mais tarde em Israel (começando já com Abraão) - que designa Deus pelo nome comum de “Elohim”. E, depois da ruína do reino do Norte, os dois teriam sido reunidos num só. (JE). Nota-se, portanto, que apesar das particularidades de estilo, de doutrina, as divergências, enfim, apesar dos traços que os distinguem, contam – substancialmente – a mesma história, portanto, têm uma origem em comum. (as duas tradições podem ter sido compiladas, no fim da época monárquica, talvez no reinado de Ezequias. Depois de Josias, o Deuteronômio (pode representar costumes do Norte, trazidas para Judá pelos Levitas, depois da ruína de Samaria), lhe teria sido acrescentado (JED); e, depois do Exílio, o código Sacerdotal,  (P), que continha, sobretudo, “Leis”, com algumas narrações, teria sido somado a essa compilação, à qual serviu de arcabouço e moldura (JEDP).

Enfim,  o fato é que especialistas em tais pesquisas religiosas, concordam e reconhecem que essa “Teoria documentária clássica”, não limitam-se à uma simples crítica verbal, pois que, não bastam, aceitar ou rejeitar, para explicar a “composição do Pentateuco”, podendo ainda, terem sido reunidas, num trabalho editorial, dos Sacerdotes (do Templo de  Jerusalém), durante ou após o Exílio. Acredita-se que tais relatos bíblicos já eram ensinados oralmente, podendo já terem sido escritos desde a época de Juízes, quando Israel, começou a existir como povo, como nação.

Há, também, quem questione o número de livros, considerando tratar-se – originalmente de um “Hexateuco” (incluído Josué e início dos Juízes), onde passa-se da “Promessa” à “Realização da Promessa” (referindo-se à conquista da Terra Prometida), assim, tendo sido, posteriormente separado, quando “O Livro de Josué” passou  à primeiro “livro histórico”. Outros pesquisadores, citam um “Tetrateuco”, ou seja, quatro livros, excluído desse grupo, Deuteronômio, que se acrescentaria aos “Livros dos Reis”,...mas, todos reconhecem que tudo são hipóteses, dificilmente comprovadas infalivelmente, de forma, que resta, ater-nos ao conteúdo espiritual, dessa multiplicidade de narrativas,...de um povo;...que aprende a fundamentar, unificar,...a fé e a prática da fé;...







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